foto: eliz pessoa
Ouro Preto, antiga Vila Rica dos, até então, anônimos da Inconfidência Mineira.
Cidade preservada no útero das montanhas, de horizontes que se escondem por traz delas, levando longe o pensamento de quem vive na gestação incubada no ventre de sua História. De casas de estilos Barroco e Colonial, em suas ruas de paralelepípedos massageando a sola dos pés que não são daqui, exercitando a firmeza das penas do alto de seus “pelourinhos” mineiros.
Ouro de “tolo”, doentes mentais que envelhecem em sua densa energia, frutos, muitas vezes, de casamentos consangüíneos, loucos de todos os gêneros transitando nas ruas apertadas da cidade. Por aqui os fantasmas passeiam assombrando o caminho, não só da História, mas acima de tudo, de muitas energias não digeridas pelo tempo.
Os índios foram os percussores, a base do lugar, os primeiros donos do território, mas deletados pelos brancos, no poder do domínio da coroa portuguesa. Depois a ordem da exploração do ouro da região, terra brilhante, cobiçada por mentes ambiciosas. E quando a notícia se espalhou, a cidade ficou pequeno pra tanto alarde. Exploradores e explorados, brancos e negros, nobres e pobres tratados como podres. Negros escravizados, torturados, mão-de-obra escrava, tratados como inferiores, maltratados por sua cor natural, encarcerados em senzalas localizadas debaixo das casas, como animais europeus. Tendo como diferença os fins.
Lá, na Europa, os animais ficavam debaixo das casas para garantir calor, aquecer os proprietários do clima europeu. Aqui, sobre as rédeas da linha do Equador, a finalidade era outra, oprimir, suprimir, sufocar, cagando em suas cabeças, como se fossem meros animais sem humanidade.
Fatos que a História não dissipou de nossas entranhas, nem o tempo arrancou de nós todas essas mazelas, em plena confusão das muitas raças que nos tornamos, nos muitos “brasis” que nos criamos, com véus de uma educação disseminada por textos mal contados nas escolas.
Por aqui, o passado ainda é presente, ainda grita de dor, conta histórias, dentro e fora de museus e igrejas, nas veias da arte do homem doente, compulsivo por seus detalhes trabalhados no Barroco, cheio de anjos, arcanjos, impregnado de um cristianismo católico exacerbado e soberano, como a verdade absoluta e muitas mentiras estagnadas.
Templos de hipocrisia e ostentação, onde somente os ricos “nobres” do alto clero eram enterrados nas igrejas, com direito a número e sepultura, onde o mais próximo do altar era também o mais rico, e assim sucessivamente. Até hoje preservados debaixo dos pés de turistas.
Nas igrejas onde os negros não pisavam por serem negros e escravos. Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, erguida por mãos escravas para dizima esse apartheid. Os estudantes dão graça e juventude às vielas da cidade, trazendo novo ritmo a vida por aqui, rebolando nos bares e nas ruas para descolarem o caminho.
Trazendo sons de novos carnavais e tentando amenizar o ritmo das lendas.
Museus, artistas sacros e cosmopolitas, hippies, riqueza de ouro e detalhes, frestas do Iluminismo, Joaquim, Aleijadinhos, Tomás-Antônio (s)-Gonzaga (s), Marília de Dirceu, mortos, vivos, forcas, pedaços esquartejados da História, Minas que geram montanhas, neblinas que geram imagens destorcidas, carros antigos, jeitinho mineiro, distâncias, atalhos, precipícios de esbarrões no agora, cheio de “causos” e contos murmurando segredos, conspirando fábulas, decretando sentenças, arriscando golpes, massageado dúvidas, assustando a coroa, dilacerando a palavra, construindo a História de contextos que se findam, ressecando o parágrafo. Aqui, a verdade não tem um nome, mas vários.
A Inconfidência Mineira condenou um para entrar para História, exílio os outros e sumiu com uma porção da leva conspiratória. Assim como ditaduras que militaram outros tempos.
Ouro Preto. Retratos de uma Vila Rica de História.
“Ouro de Tolo”, paisagem das Minas Gerais.
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