segunda-feira, 13 de dezembro de 2010



Foto de Nádia Maria

Tenho fome.
Fome de idéias, das coisas lá fora.
Tenho fome correndo por dentro e por fora.
Fome que não sacia.
Fome de tudo.

Tenho fome da vida.
Fome de pluralidade.
Do barulho incansável de outras cidades.
E do silêncio absurdo dos interiores.

Fome de multidões na vastidão solidificadas em todos nós.
Fome de solidão.
Fome de nada.

Tenho fome das coisas fugidias.
Fome de permanências.
Fome esfomeada.

Fome do ato,
Fome, apenas.

Tenho fome de entendimento, do protesto, da ação exata, da indignação latente.
Fome de tempo.

Tenho fome, muita fome de idéias perigosas.

eliz pessoa

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010



"Devagar... o tempo transforma tudo em tempo.
O ódio transforma-se em tempo.
O amor transforma-se em tempo.
A dor transforma-se em tempo.
Os assuntos que julgamos mais profundos, mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis, transformam-se devagar em tempo.

Mas por si só, o tempo não é nada.
A idade não é nada.
A eternidade não existe."

Luis Peixoto

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Essa coisa dentro da gente insistente, contínua, por vezes alegre, noutras tristeza e infinito.

Essa plenitude do existir, um vazio musical e um mistério tão profundo diante às coisas, os fatos, a vazão do dia seguinte, o absurdo-surdo nas pessoas. Pedimos para estar aqui? E porque não temos consciência da solicitação?

Viver.

É preciso lucidez para a vida, mas também é mais que necessários abismos, profunda invasão dentro d’alma da gente.

É preciso uma lágrima experimentada, um abraço apertado, depois é necessário vastidão.

O que será dentro da gente?

eliz

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Itermitências


(Foto de Bernardo Soares)

Escrever sobre a morte não é uma tarefa simplista, ainda mais quando ela resolve trazer a notícia na madrugada. Em resumo, mal dormi direito e quando acordei a sensação estranha de perder alguém, mesmo quando não temos tanta proximidade assim, nos deixa anestesiada e com uma interrogação irremediável na cabeça: Porque morremos?

Ironicamente quando soube da notícia estava lendo “A Menina que Roubava Livros” e este livro é narrado pela morte. Ela é quem conta toda a história para o leitor, como se de fato, fosse íntima de nós. E não o seria? Embora tenhamos a certeza dela cruzando os nossos caminhos, quando ele passa perto da gente, traz consigo significâncias existenciais e outras tantas perguntas. O que de fato é essencial em nossa existência? Quem de fato faz parte dessa importância? Como desejamos sermos lembrados pelos próximos? Que legado deixaremos ao mundo? E a nós mesmos?

Viver é a extrema oportunidade de se lançar as novas experiências, de permitir-se ao mundo. Nem sempre é fácil, pois muitas vezes nos atolamos em tantas bobagens, nos prendemos em coisas pequenas e esquecemos-nos de estarmos aqui, na plenitude integral de nós mesmos. Morrer é uma outra oportunidade que a vida nos dá, de realizarmos o mistério. E mistério é silêncio, não se conta por nada, apenas é.

Não sei o que é morrer (ainda) mais sei que a hora de todos faz parte da continuidade exata da natureza, da Roda de Samsara, da dança de opostos, do caminho de um plano maior no qual não somos os únicos coadjuvantes.

Morrer nos dá a dimensão da simplicidade e do quanto a arrogância e prepotência é nossa maior covardia diante de nós mesmos. A morte deveria de fato ser nossa eterna companheira, o lado B da existência, mas uma grande mestra da vida.
A maior das intermitências.

Morremos porque vivemos um dia.

eliz pessoa

sábado, 4 de dezembro de 2010

Nem sempre


(Foto: Álvaro Dias)

Linhas e marcas, detalhes não resumidos apenas no físico, formas do tempo no tempo da gente e outras possibilidades para além do que não vemos. Buscamos nos contar, até quando nos escondemos em nós. Tudo é expressão, vontade, vida dilacerada, necessidade humana de dizer ao mundo ao que viemos, ainda que não saibamos compreender nossos porquês Ainda quando há silêncio e hiatos nas curvas da alma, nos revelamos no absurdo da gente.

Não escapamos da sina, historiada por nós.

Como livros passageiros, experimentamos nossas vidas, reformulando sensações, arriscamos o controle sobre o incontrolável, desmistificamos o ato seguinte, quando concordamos que não somos os donos da razão, como supúnhamos um dia.
Viver para muitos, não passa de sobrevivência, e tem gente que nem assim perde o tesão pela coisa, e nem sempre dá para ser a diferença em meio a tantas desigualdades, mas agindo, movemos o mundo, ainda que pelo estreito renovado das coisas.

O resto é atropelo.

eliz pessoa

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Sexta e ela



(Foto: Pedro Cruz)


Termina o dia, a semana, é sexta-feira. Ela desce, pega uns trocados largados na gaveta e resolve comprar uma lata de cerveja para servir de companhia. Nos labirintos da internet, interatividade, música, download e outras possibilidades.
E há tanta vida lá fora, pelos atalhos da cidade e ela ali, fazendo do virtual, a essência para a hora gasta.

Agora ela já não tem mais pressa para escrever e segue redigindo sua relação com o nascimento da escrita. Estranhamente, sentindo necessária solidão para provocar um pensamento, outra idéia e assim, juntar cada vontade incubada nas coisas.

Graduamente ela se descobria diferente na mesma forma do todo sempre. Buscas, leituras, observações do outro lá fora, do modo como as pessoas se relacionavam com elas mesmas.

Em seu pensamento, um samba poderia acontecer num lugar de gente feliz, um brinde, outros encontros, alguns atropelos, continuações do cotidiano das pessoas.

Viu fotos postadas pelos amigos, discerniu o que a agradava e outros contrários, escreveu para algumas pessoas, esqueceu de outras tantas.
Era preciso não permanecer nas coisas, porque outras metamorfoses eram necessárias pra todos os lados. Ela buscava mudança na tentativa de pequenas ações solidárias.

Ela, em plena sexta-feira de Oxalá, do branco, das gentes, de todos os santos.

Num minuto, o mundo cercados de todos possíveis segundos, cabíveis dentro de todos nós.

eliz pessoa

domingo, 28 de novembro de 2010

Rio para não chorar



Foto: Marco Antônio Teixeira - O GLOBO


Assistindo ao último noticiário, fiquei impressionada com os acontecimentos incendiários nas ruas da cidade do Rio de Janeiro. É triste constatar quando o Estado perde sua autonomia para a marginalidade. O lado B das coisas tem intimidado, chamando a atenção da mídia e de todos para o problema instalado no Rio. De um lado o Estado omisso, retardando ações necessárias e envelhecidas, varrendo a sujeira para debaixo do tapete das transmissões simultâneas televisivas. Do outro, o tráfico de drogas, escondendo-se e dominando as entranhas das favelas com suas casas empilhadas, uma a uma sobre a cabeça do cidadão trabalhador que não teve outra opção na vida de uma melhor moradia, o problema social que envolve toda a dinâmica das drogas, como: o tênis que o garoto sonha em calçar, a jaqueta, o boné, a moto e toda a facilidade que só o dinheiro compra e que todos querem ter. O poder desses símbolos. Não fossem somente essas questões, mas outras tantas como o fascínio de uma juventude sem perspectivas futuras, que lhes dessem outros sonhos além dos visualizados em favelas. Dinheiro rápido em curto espaço de tempo, mudança de status, ainda que ilusórios e uma vida certamente encurtada pela realidade de uma guerra civil, agora declarada.

Depois de assistir ao filme “Tropa de Elite”, as notícias e entrevistas aclamadas pela imprensa lado A, puseram em cheque algumas questões: como acreditar nas palavras burocráticas responsáveis pela segurança pública, governadores de estado e demais representantes legais de que as coisas estão sob controle? Acreditar que ações de tanques de guerra, reforço militar adentrando a zona norte carioca, estariam solucionando o problema. Parecem ações paliativas de curta duração, programadas para, literalmente, apagar o fogo de uma espécie de alívio imediato, que lá na frente trará outros revertérios na boca do estômago do sistema. Por outro lado, quais seriam as soluções fadadas ao acerto? Políticas públicas na área educacional, geração de oportunidade de profissionalização nas favelas e periferias? Adequações de salários e melhores condições de trabalho aos policiais? Combate direto a corrupção afagada pelo Estado? Quantas questões a mais caberiam neste questionário? E a prática de todas elas? Eu não sei responder a tantas interrogações, mas francamente, esperava que nossos representantes assumissem a realidade dessa verdade social. Não dá mais para fingir controle, quando as imagens e os números não mentem. Do contrário, escarram um catarro verde e carregado de um peito congestionado e doente.

Ao final das eleições, ficaram as promessas de mudanças e os olhares angustiados do cidadão comum com a vida que é rotina e massiva naquela realidade.
Em meio ao caos, o medo não é a melhor solução, nem o melhor alento.

“Rio para não chorar”.

eliz pessoa

sexta-feira, 22 de outubro de 2010



Foto de Marina Aguiar


É preciso uma injeção nos ânimos, umas cócegas na sola dos pés já calejadas pelos sapatos fechados, suados e formais. Não tem sido fácil viver pura e simplesmente por viver, como um animal procurando comida no caminho. Ainda ele tem fome de comer, fome de sobreviver no inconsciente coletivo de sua existência. Ando me rastejando, cumprindo com o levantar e seguir em frente, sem olhar muito firme para todas as circunstâncias. E a vida tem dessas, segue às vezes sem poesia, perde a maestria e desencantasse num desencanar de idéias. Por outro lado, cá estou, tecendo as linhas dessa tortura, neste encontro comigo mesma, com a solidão tão necessária para se saber melhor. Fatidicamente vou encolhendo-me aqui dentro, vasculhando as coisas que ficaram bagunçadas dentro de minha casa, buscando algo para deixar as coisas (novamente) onde devem estar e jogar fora todos os entulhos que eu for capaz de largar. No fôlego novo, as palavras entrelaçam uma às outras, como peças de Dominó alinhadas em fila indiana, mas apenas um pequeno esbarrão, seria suficiente para deixá-las novamente em desordem, apinhadas sobre as outras, como quem se esquiva sem medo de cair.

A vida tem tantas facetas, veste tantos personagens, gasta muito da gente, suga nossas contradições, dá lá as suas muitas voltas de cento e oitenta graus de magnitude, reeduca, conta suas histórias e anotadas, brinca com a cara da gente, faz o seu show particular e depois nos olha frente a frente e nos pergunta: “E você o que acha de tudo isso?” Oras, o que acho? Não me venha com suas questões existenciais, porque de fato, tem horas que eu não acho nada sobre você. Penso que quando você acabar, você não terá outro lado (da vida), e sim, um silêncio profundo, uma total ausência de importâncias, um abismo entre o que você foi e quando ficamos quando nos deixou. Viver pode ser muito cheio de acontecimento, mas morrer não é nada. Deixamos de ser.
Bom, são apenas inquietações do vazio, oco e fatalmente necessário. Mas chega de lorotas bobas, não quero me estragar com isso.

eliz pessoa

domingo, 5 de setembro de 2010

A Seca



Foto de Marcelo Régua


O mendigo caminha seus passos vagarosos como quem não tem pressa para chegar ao outro lado da rua. Muito calor sobre a cidade nos remete, a nítida sensação acolhedora do frescor das sombras sob a copa da árvore. Todo o concreto, tijolos e asfalto construídos frente ao caminho do sol, refletem uma atmosfera abafada e a pele reclama a exposição epidérmica aos nocivos raios solares.

Insanas temperaturas em épocas de seca drástica, nos dão uma noção exata dos caminhos escolhidos por nós. Cidades crescem cada vez mais, sem alcançar uma barreira que limite a expansão do território, enquanto os homens continuam criando maiores necessidades de ocupação, consumo, substantivando as coisas, encaixotando-se dentro das grandes cidades em suas carências insaciáveis e infelicidades concretizadas pelo anseio do ter. E quando os possuem, perdem-se em si mesmos.

As aparições de animais selvagens nas cidades soam como uma invasão contrária, como se os bichos resolvessem dar as caras em bandas de gente. Os espaços da preservação estão cada vez mais prejudicados e escassos em função de nossas demandas desenfreadas que necessitam mais e mais áreas.

De fato, acabo tendo que concordar com visão de mãe, quando diz: “Minha filha, este mundo está perdido. É fim dos tempos!” Aceito a frase e a análise caótica de nosso tempo. Embora seja uma explicação simplista, sirva bem a qualquer cidadão.

Nunca tive muita paciência para as altas temperaturas, nem para os tempos infindos das estações chuvosas da cidade. Todo o extremo me apetece as idéias já não muito boas, e toda dificuldade no meio termo, cai como um ajuste difícil de realizar no nosso dia-a-dia.

Como tudo pede por um olhar mais acalmado, alegro-me pelos Ipês (sempre eles) exuberantes. Pelo pôr-do-sol alaranjado absoluto sobre o horizonte da cidade, sem falar nas manhãs de um céu azul e animado pelos cantarolar dos passarinhos e periquitos vindos do Goiás que entornam por todos os lados.

A seca é a estação que mais lembra o Centro-Oeste brasileiro. Tem toda uma poesia propriamente dela e um simples toco de cigarro pode acabar com tanta vida... Mas ao final das contas, ainda me resta a impressão de que, se um dia por alguma lucidez de Deus nossa espécie se findar num suspiro coletivo, a natureza, em especial, o mato dará um graças aos céus e seguiram seu curso, sem querer entender o que houve com cada um de nós.

eliz pessoa

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Óia tudo isso!




Correria, dia-a-dia, novas regras para a existência das palavras, bares, bebidas e barulho, entulhos de cidades, música no mp4 do ouvido, cotidianos enclausurados do viver, pergaminhos de idéias, dor de cabeça, do de gente, dor do mundo. Absurdos proclamados pela mídia, falta de livro e de coerência com o contexto lá de fora.
Ironia do destino, amargo na boca, sabor de febre, saudade de rios, ópio e outras degustações condicionadas na segunda de um segundo que passa. Tempo de hora marcada, piercing no nariz, outras variedades da espécie humana, violência e machismo, enxaqueca, persistência e preguiça, necessidades implantadas no parágrafo de outra estrofe à dentro. Animais pela casa, cerrado ressecado, calor enfurecido na Rússia, convulsões de palavras engalfinhadas e rabiscos (muitos deles).

Fim de tarde, intolerância proclamada, absurdos de um pensamento livre, liberdade aprisionada, notícias, muitas delas sem explicações detalhadas, fofocas, fama mal tragada, flash e espelhos escondendo outras faces. Fases nada.

Espinhos e rasgos, sangue que escorre e umbigos escondidos sobre calças apertadas. Normalidade aparentada, loucura declarada, insurreições de velhas possibilidades. Óia à moça e outro moço! Óia pra mim e óio o cachorro deitado na pista! Sonhos de marés e maresias, tantas vontades afoitadas na esquina. Um segundo bem tranqüilo desta vida, outra dor de cabeça, música, sempre, música. Óia tudo isso! São flores desta existência compartilhadas de silêncio...

eliz pessoa

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Tempos sem Saramago



Foto de Carlos Vilela

Tamanha estranheza se põe sobre as réstias dos dias e inteiros os pés calçam asfaltos coloridos pela sujeira da má educação. Eu não sei o quanto se perde e se acha da gente nos outros, nas diversas tentativas proclamadas num único só pensar.
É tempo de música e de pôr-se pra fora de casa, de reencontrar as palavras esquecidas em rascunhos de gavetas, cartas e re-começos, parágrafos e sínteses de todos os sentimentos centralizados em nós.

Chegou a hora da reescrita, de realizar pazes com o interior da essência, das certezas cumpridas com a nossa centelha de responsabilidade. É tempo de olhar dentro do olho do outro e enxergar o abismo de tanta humanidade. Tempos sem Saramago e de uma cegueira tão intensa e sufocante aterrada no âmago de nossa estupidez mais inocente. É tempo de gente para gente, de ser mais claro, cuspir os nós atrelados na garganta, de pensar no outro, uma, duas, três vezes se possível, porque também é tempo do outro, e esse outro não precisa ser o íntimo, nem fazer parte da nossa roda, mas o outro pode ser àquele mais distante, ignorado, além do tudo isso.

É tempo de humanizar o caminho, de ouvir outra canção.

Tempo de estar.

eliz

terça-feira, 8 de junho de 2010

Em verde e amarelo

Metade do ano dos dias instalados aqui. E sem inspiração corriqueira, procuro um único sequer pretexto para simpatizar-me com uma idéia inovada vinda dos livros que observo com olhos apressados de viver.

São dias tão rápidos transcorridos sobre o relógio pendurado numa parede qualquer da lembrança acolhida de alguém. Nem me resta muitas águas nem apelos do ser na entranha da gente, apenas um absurdo silenciar no clarão das madrugadas vivenciadas pelos boêmios perambulando nas nuas-ruas de outros parágrafos.
É tempo de ser agora, no ato do pulo do gato.

E de fato, o gosto amargo embutido na velocidade das coisas impacienta-me por inteira, rasgando a vontade de calmaria. Em tempos de copa do mundo, a folia de outros carnavais vem atribulando a cabeça de afoitos pela mesma questão. Em verde e amarelo, caibo muito bem sobre duas rodas, como quem se perde do mundo lá fora. E aqui, metade de tudo lida melhor com a licença do dia. Mas por favor, deixa a culpa que amarga a gente em outros instantes e desliga às dezoito e trinta da tarde de junho de um ano par.

eliz pessoa

sábado, 1 de maio de 2010

Só por hoje



Foto: João Ferraz

Hoje não é um dia fácil, diluído com tranqüilidade.

É um dia vagaroso, cercado de questionamentos sobre o existir, se é que de fato existimos... Hoje é um dia para aquietar-se, embora o corpo peça por distrações em meio a multidões, tentando silenciar essa angústia, pedaços de todos nós.
Hoje é um dia pra se morrer um pouquinho, depois dormir e acordar bem mais tarde quando todos os sons estiverem habitando o silêncio.

Hoje é o dia em que “até pra morrer é preciso existir”.

É um daqueles dias que somos a melhor companhia pra nós mesmos. Tempo de estar só e acolher-se por inteiro.

Hoje é o dia que uma bebida e àquela canção que a gente escuta até a completa exaustão, são as nossas melhores companhias.
Não precisa falar.

Hoje é um dia como todos os outros e é só mais uma daqueles dias em que se vive por inteiro sem muita velocidade.

Mas hoje passa tão sorrateiramente que e a gente nem se dá conta.


eliz pessoa

quinta-feira, 22 de abril de 2010

BRAS-ILHA







Toda a vez que falam mal dela, eu me ofendo, pois é como se estivessem falando de mim, de um pedaço que me cabe tão bem.

Assim com eu, a cidade foi semeada no interior do país, nas entranhas do Cerrado, bem nas terras goianas, nascendo de uma vontade futurista, beirando ao delírio de um mineiro escondido nas montanhas e ao questionamento de um goiano de Jataí.

Primeiro foi a indagação, depois a idéia foi semeada e repensada pela cabeça do mineiro, até então, ainda não Presidente da República. Soma-se a busca dos nordestinos por condições melhores de trabalho, temperada pela militância carioca, esses ingredientes deram sinais da vocação que a cidade teria para receber o Brasil em seu seio. Bem por isso é que hoje ela se tornou a capital de todos os brasileiros. Aqui, todas as culturas encontram-se harmoniosamente, convivendo com todos os sotaques e sonoridades dessa “Amálgama Brasil”, como diria Jorge Mautner.

Por aqui, a cuia dos militares gaúchos sentados no gramado da doze norte, em tardes de domingo reunidos em volta do chimarrão ou pelos nordestinos e seu forró e feiras na vastidão da Ceilândia e nas rodas de samba da Aruc no Cruzeiro com ritmo do carioca, ainda pelo desconfiado jeitinho mineiro sobre si e sobre o mundo que o circunda, ao mesmo tempo em que cheio de curiosidade e de amizades acolhedoras. Depois vem a suposta rixa entre goianos x brasilienses. Pura bobagem. Somos sim, goianos elevados ao quadrado.

Como filha de nordestinos, criada por mineiros e nascida na nova capital, encontro-me nessa miscigenação abrasileirada. Depois dessa síntese, vieram os paulistas, nortistas, sulistas, anarquistas, partidários, solidário, gente de todos os stilos e perfis, atraídos pelo o serviço público e pela alta qualidade de vida experimentada aqui. E como não se lembrar do céu mais bonito, distribuídos em 180º de múltiplas cores, que em época da seca exibe o pôr-do-sol ainda mais exuberante.

Capital da música, da arquitetura de Niemeyer que fizeram desta cidade uma grande obra de arte e Patrimônio Histórico da Humanidade. Sem grandes transtornos, podemos dizer que somos sim caipiras e modernos, transitamos sempre entre esses dois pólos, entra tantas verdades dessa “ilha da fantasia”, concretizada em suas satélites, que dão vida as outras faces da cidade, menos fantasiosas quanto a realidade.

A que se ver ao menos uma única vez a cidade de cima, com ares de virginiana. Ledo engano! Brasília é taurina, quase ariana, não fosse a diferença de um único dia. Portanto, ligada a beleza, a terra, ou ainda, pela teimosia em seu destino.
Dizem que por aqui não temos esquinas, mais encontros, portanto há que se andar na linha.

Pra quem a enxerga de fora, pode simplificá-la como a cidade da corrupção. Pecado fatal, assim como pensar que São Paulo só tem asfalto, poluição e congestionamentos, ou enxergar o Rio como só violência, tráfico de drogas, samba e novela, estereótipos que servem para limitar e reprimir toda a expressão de qualquer lugar.

Brasília não é só a concretização de um sonho, é também o espelho de outros problemas: crescimento desordenado, excesso de ações burocratizadas. Por aqui a “dita” ainda é dura, basta observar as ações repressoras da PM’s sobre os universitários, protestando em ações efetivas contra as arbitrariedades governamentais. Descem seus cassetetes e pauladas a mando de autoridades. Mas como eu também não nasci pra Coronel...

Por essas e tantas é que no seu dia, eu sua filha de sangue, agradeço-lhe por tê-la entranhada minha história, por ter me seduzido em sua poesia concreta de possibilidades.

BRAS-ILHA

eliz pessoa

segunda-feira, 12 de abril de 2010

DILÚVIOS E LÁGRIMAS SOBRE O RIO



A chuva veio, dilacerando a terra já fragilizada pelo o escarro dos lixos, dos restos humanos. Lavou tudo, sua gente e levou consigo a história dessas pessoas. Em meio ao caos das notícias assistidas dentro de minha casa, como num filme, toda a tragédia exibida da cidade de encantos mil.

A natureza vem derramando toda a sua indignação, suas lágrimas sobre todos nós.
O fato é que a tragédia acomete mais visceralmente as populações menos privilegiadas. Foi assim em Santa Catarina, São Paulo e agora é assim no Rio.
Então nos perguntamos: o que está acontecendo com a natureza? E nos... Todos nós sabemos a resposta de toda essa rebeldia. Somos nós que estamos alimentando esse processo de enchentes, tragédias e tristezas que estão tomando conta das cidades e de nossas cabeças, toda a vez que o céu escurece um pouco mais que o normal. Aliados ao descaso do poder público em relação às favelas e suas áreas de risco. Estupidamente nossos políticos ainda recebem as vaias das populações, que não só perderam suas casas, mas muitas vezes, membros de suas famílias, justificando as tais vaias como se essas vias fossem reações de inimigos políticos.

Não, Senhor Governador do Rio! Desta vez as vaias de protestos não são políticas, vão muito, além disso. São desabafos de uma população que representa muitas outras desgraças. A culpa é de todos e podemos distribuí-las entre nós, que ficamos em nossas casas protegidas, assim como com àqueles que sentiram na pele e também dos representantes que escolhidos por nós.

Estamos indiferentes a tanta tragédia, pois ainda há descaso com o lixo, jogado aleatoriamente em qualquer lugar, de qualquer jeito. Somos nós os responsáveis pela falta de cuidado com nossos movimentos fora de nossas casas. Mas uma vez esses dilúvios nos provam que a globalização dos problemas também veio com as águas de março, abril e maio. Que somos sim parte de um grupo, que só funcionará quando o problema do outro também for o nosso, assim como a dor do outro também faz parte da nossa, que todos os males feitos aos outros, são males realizados sobre nós mesmos. Esta é a tradução ao caos instalado nas grandes e pequenas cidades. Ninguém, sem exceção à regra, ficará impune as reações da natureza. Não haverá ricos ou pobres, mas sim, ricos e pobres. A prova disso vem de São Paulo, a cidade mais rica do Brasil, o centro dos grandes negócios de nosso país. Todos nos ainda lembramos Sampa sobre os rios alagados, poluídos e repletos de lixo, invadindo as principais avenidas, além dos carros afogados nas ruas alagadas, das pessoas segurando-se em qualquer pedaço fixo ao caminho das águas. Se hoje o Rio chora, nos todos também choramos e torcemos para que nenhuma vida se perca após os fatos e que alguma mudança se faz necessário em nossas cabeças, em especial, sobre nossas ações cotidianas.

Estamos nos tornando um câncer em nosso próprio sistema, mas ainda há tratamento para todo caos. Assim acredito.

eliz pessoa

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

RECIFE




Nem é carnaval ainda e já me balanço na folia afoita de um Pernambuco sem fronteiras.
Recife é assim, o caos, os olhos antenados no descuido do outro, a fome, a lama, a melhor musicalidade aflorada em qualquer esquina, na pele morena do sol nordestino, agressivo, latente, pronto pro desbunde do outro.
Recife entorpece o sentido, provoca humanidade exibida no atendimento de sotaque forte, no aconchego de um povo cheio de festa, substantivado pela agonia do estômago vazio dos homens que comem lagostas em sacolas de plásticos nos lixos da Rua da Moeda, em frente ao Pina de Copacabana, do cheiro forte de caranguejo do mar de dentro da gente.
Recife dos meninos dos rios, do frevo, da maluquice desmedida, da hora repartida, dos Lenines, Science das Nações infindas, de Josué de Castro e Paulo Freire, das multifacetadas influências que emanam de seu povo recifense, desinibidos, felizmente perturbados, gentis de todos os gêneros e revelados em si mesmos.
Se há um Rio correndo dentro de mim, seu nome agora é Capibaribe e Beberibe.
Seu nome é música em ouvidos afoitos, é sede, é sede, é sede...

Salve o Pernambuco!
Salve o BRASIL!

eliz pessoa

sábado, 23 de janeiro de 2010

SAMPA





Em 25 de janeiro de 1554, as margens do Tamanduateí e Anhangabaú, nascia um colégio de jesuítas sobre o planaldo de Piratininga. Ninguém poderia imaginar naquele tempo, que este seria o marco inicial para o surgimento daquela que hoje, é considerada uma das maiores metrópoles do mundo.

São Paulo é assim, em princípio causa estranhesa, provoca espanto ao ponto de silenciar palavras e um assustado olhar de quem a vê pela primeira vez é insuficente ante a sua imensidão.

Experimentei um tiquinho de sua ousadia, ficando evidente que é necessário tempo para conhecê-la de fato. Para alguns paulistanos, nem nascendo e residindo em sampa, grande parte de suas vidas, se conhece a megalópe por inteiro.

Passeando pela Paulista num domingo de chuva fina e insistente, deu um nó na garganta ao musicar no pensamento, trechos da canção de Caetano Veloso, onde se traduz o misto de sentimentos provocoadas pela cidade dentro da gente. Eu também nada entendi e ainda não entendo... Mas é fácil compreender alguns paulistanos que acham que tudo que não é São Paulo, é caipira. Posso confessar esse sentimento caipira que dá na gente estando aqui. Me senti assim, caipirona em sampa, miúda diante os seus edifícios multiplicados num piscar de olhos. E não me cabe nem uma gota de vergonha em assumir esse lado em mim. Por exemplo, não havia visto até então, tantos japoneses circulando em outra brasilidade, não apenas dentro da Liberdade, ou ainda, tanta gente de diversas origens formigando num só lugar.

São Paulo é cosmopolitana e naturalmente carrega em si problemas de grande complexidade: congestionamentos, poluição, violência, desemprego, super-população e desigualdades. Ainda assim, a poesia é latente, permeável e urbana. Bem mais que a paulicéia desvairada, o caos vindo de todos os lados do Brasil. Por aqui, não é o paulistano que faz a diferença, e sim, o ser humano e suas infindas possibilidades.

Em meio a ruas concretas, surgem antigas vielas de paralelepípedos perdidos no tempo, cercados de charme. Depois de um olhar superficial, essa paulistana mostra-se, incanssável em suas noites afoitas e sua gastronomia diversificada, além dos intraduzíveis borburinhos das vozes e talheres trincados.

Cidade símbolo do desenvolvimento e do progresso desmedido e seus altos custos. Democrática em essência, a cidade não tem uma única face, mas diversos rostos e raças confundem-se dando cores a diversidade a cara de São Paulo. Sua concretude acobertada pelo cinza das fumaças poluídas, não representa o retrato de sua imagem, pois o carnaval grafiteiro nasce dando vida aos edificios que crescem desejando encostar as nuves, enquanto mudanças climáticas modificam a paisagem e a fama da terra da garoa, e o calor imenssurável pelo excesso de humanidade sobre o asfalto, emana sem saída por todos lados, transformando as coisas.

A busca por oportunidade se perde, muitas vezes na desesperança das grandes cidades superlotadas em busca de si mesma. Cidade dos movimentos artísticos, berço da Semana de Arte Moderna, da agitação desmedida. Coração dos grandes negócios, terra das “padocas”, do insano ir e vir de ações cronometradas num relógio. Espaço do Pateo do Collégio, do Copan e suas curvas em S, do Mercado Municipal, da Estação da Luz, Catedral da Sé, do Martinelli – primeiro arranha céu da cidade, do MASP, da feira Benedito Calixto, do Ibira(puera), dos museus, teatros, dos centros culturais e fundações, dos imigrantes italiano do Bixiga, aos antigos operários da estrada de ferro do Brás e da Lapa, da Paulista de antigas chácaras dos cafeicultores e industriais e a primeira via pública asfaltada do país, das periferais que espandem-se dando outra cara ao perfil da cidade, da “concretitude das coisas”... Por essas e outras razões que hoje, a exatos um mês que antecedem a data inical da instalação dos padres jesuítas no Pátio do Collégio, que escrevo essas pequenas percepções pessoais sobre SÃO PAULO e a vontade de revivê-la novamente diante de meus olhos estatelados e caipira.

Brasília, 25 de dezembro de 2009

eliz pessoa

(*) Trecho em itálico: Carlos Drummond de Andrade em Suposta Existência.