quarta-feira, 30 de maio de 2012

Festa PLAY


Já era tarde quando a chamaram para encontrar os amigos no beira. Ela não hesitou e de imediato topou encontra-los numa das asas da cidade. Beberam, comeram, conversaram e decidiram ir para uma festa na outra as. Ela tentou enganar o frio com um agasalho pesado. Encontraram muitos motivos gastos e desalmados, até que enfim, chegaram. Dinheiro curto, vontade acirrada e aquela moçada que ainda reside na casa dos vinte. Estilos e tipos quase uniformizados, uma cerveja para ocupar as mãos e um olhar meio esquisito sobre o mesmo modelo de sempre. O eletrônico misturado ao Rock, um som um confuso, um povo disfarçando o divertimento, uma noite de sexta.

Todos procurando diversão e ela só conseguia pensar ela estava cercada de amigos, porque todo o restante era o caos e a indiferença. O banheiro feminino abarrotado de moçoilas programadas, inclusive ela, que ainda sim, suspeitara desde o princípio daquela atmosfera toda. O espelho mais cobiçado que galã da novela das oito, os trabalhadores da noite, faxineira de lavabos, vendedor de fichas, segurança. Dentre todos, o único que aparentava diversão era o DJ, que estava mais para animador de auditório ou professor de academia. Quanta empolgação para um início de festa, sensação que ela não compartilhava. Todo mundo em busca da tal felicidade instantânea e ela apelava para a cerveja tentando entrar no clima do maior animado, o cara.

Estaria ela retraída? Não, ela não era tipicamente uma pessoa inibida. Do contrário falava pelos cotovelos, gesticulava como italianos, sorria até mostrar o siso, e ainda sem juízo, nasceu para comunicar-se.

Naquela noite a outra face se fez presente e um olhar observador foi tomando espaço nos cantos da festa, realizando algum sentido. Moças paquerando moças, moços procurando gente, homens segurando bebidas, mulheres, homens segurando a parede, meninas antenas nos sentidos e o maluco do DJ querendo dar mais ênfase a sua parada.

Não satisfeita, ela escondera as mãos nos bolsos do vestido estampado. Parada na pista inquietava-se. Um sujeito meio sem jeito se aproximou e logo começou e puxar conversa. Ela não se esquivava, no entanto, modificava o foco da observação. Agora ele – o centro de sua atenção - se diz não gostando da música e acertada e perguntava do que música a moça gostava. Ela remediou o assunto com o nome Michael Jackson, ele citava todos os álbuns do cara, ela sorria enquanto ele se animava. Divertida escutava e testava para ver até onde ele chegara. Ele tenta, persiste, insiste, acelera diminuir o ânimo, anima-se de novo, recorta o pensamento e tenta, tenta e tenta. Ela experimentava o cansaço que o sujeito a causara nas voltas para conseguir um beijo. Ela se cansa e resolve abrir o jogo e dizendo a ele:

“Olha aqui! Estamos no meio da uma pista de dança, o som tá rolando, as pessoas dançando, alguns agindo outros aceitando e você gastando todo o seu raciocínio para no final das contas, conquistar um beijo, uma ficada ou coisas do gênero, mas não vai rolar. E na boa?! Se quiser continuar eu não me oponho, mas tenha consciência que não vai rolar.” Ele insiste, ela relaxa. Noite à dentro, cantadas furtivas, gente embriagada, drogas, esquisitices e outras paradas. Ainda bem que é sexta-feira.  


elizpessoa

segunda-feira, 28 de maio de 2012


(Foto: Google imagens)


Ele não tem casa, é da rua e vive por ali nas redondezas de minha morada procurando por latinhas, papéis e tudo o que possa ser transformado em moeda. Míseras moedinhas.
Ele tem no nome um substantivo abstrato. Seu tempo envelheceu na cama descoberta das calçadas, ao relento. Marginalizado cumpre apenas o seu papel, morador de rua, catador de lata.

Ele constrói sua casa todo santo dia com caixas de papelão, onde se esconde na esquina de uma igreja de crente. Céticos, seus olhos anunciam certa vagareza, aquela falta de pressa comum a quem já viveu o suficiente para saber discernir as coisas.

Ele tem história, sabe de tudo um pouco, em especial, sobre ratos, baratas, marginais, viciados, prostitutas, policiais e daqueles que se arriscam nas noites de uma cidade vaga e aparentemente tranquila.

Ele não tem tempo para novas amarguras, aprendeu e vivenciá-las sem pesares e em sua cabeça já não cabe tantos porquês, nem novas perguntas a serem reveladas.

Ele me visita frequentemente, passeia pelo meu imaginário como se experimentasse um canto tranquilo e confortável. Ele não me deixa sossegar um segundo. Ao contrário de seus olhos, os meus não se aquietam diante a sua presença. Padecem cansativos diante dele.

Ele não é um, são dois, três e não reside apenas nos dados estatísticas de um instituto qualquer. São muitos, milhões mundo a fora, fruto de histórias confusas e da realidade dura de quem desaprendeu a se olhar no espelho. Ele é amigo do cão e cão e o vira-lata se encontra nele.
Ele sabe muito mais do mundo que se possa imaginar. E o mundo, tão grande, ficou pequeno dentro dele.
Ele pode ser qualquer um e nenhum de nós.
Ainda assim, sua saga é envelhecer diante de meus olhos já envelhecidos.


elizpessoa
Ela foi lá, permitiu-se, desnudou-se, calou-se, disse, mensurou os fatos, acalentou os atos, respirou aquela energia confusa de outra cidade, desatou os nós, refez outros, escreveu de tudo um pouco, de pouco um muito, voltou cheia de histórias... Contou algumas, escondeu outras... Ela, fez o que quis, deixou o que não quis, viveu, alimentou-se de outro tempero mediado de algumas responsabilidades, reencontrou-se, perdeu-se, partiu. Ele merece um boque de flores, merece também um conjunto de notas musicais, uma poesia novinha em folha, outros abraços, outros pertences. Ela que tanto se cerca de palavras, se encarrega de sentimentos, que se tornou outra num divisor de águas anunciado num sonho. Ela que é amiga, que é tão clara, tão braba, tão cheia de si, às vezes se esquece do nada. Mas a verdade é que ela só quer escrever, e por essa razão arruma desculpas, motivos, inventa possibilidades. Ela escreve as linhas de sua própria experiência. Ela não se basta. Ninguém se basta até que copo esteja cheio de água, novamente. elizpessoa

quinta-feira, 24 de maio de 2012

(Foto: Eliz Pessoa) Fez um frio danado esses dias, e a sensação térmica me remete a outras cidades, como se estivesse passeando pelas ruas de outro país latino americano. Frio numa Brasília não reconhecida em frente ao espelho de sua casa, sem agasalho suficiente para enfrentar o vento jogado na cara enquanto pedalava de bicicleta. Foi preciso pedir ajudar ao substantivo coragem. Atentos, os olhos se encantaram com as nuvens que cobriam a ponta da Torre de Televisão, escondendo-a. E trabalhadores agasalharam-se do pescoço aos pés: ônibus lotados, trânsito intenso sobre avenidas largas, mendigos levemente aquecidos pelas barbas e cabeleiras esbranquiçadas na astúcia do tempo. Esse frio tem seus encantos sobre o apetite que se abre vorazmente, atiça a quietude, despertar outros olhares e encolhe a gente. Frio de mulheres elegantes contrastando com as moças denominadas piriguetes, que faça sol ou chuva exibem seus colos e pernas e pele desavergonhadas. Fez um frio tão grande e tão pequeno em outras latinidades. Para a amiga que se esconde nos Andes, isso aqui não é nada, meramente frescura de brasiliense. Para nós é frio mesmo, frio para caralho, frio pra cachorro! Frio que anuncia junho e as festas de São João, Santo Antônio e São Pedro, que nos lembra de que já estamos na metade do ano, frio de geminianos e cancerianos, frio de fora pra dentro, de coleções outono inverno, de folhas mortas, árvores desbotadas, de stilo e de styles. Fez um frio danado na gente! elizpessoa

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Eu sei que me permiti endurecer diante aos obstáculos que se sobrepuseram em meu caminho enquanto vivia, e que não deixei de realizar essa escolha por falta de uma experiência mais clara, menos dilacerada sobre as circunstâncias. Mas eu sei também quantas verdades cabem na vida de alguém. Escrevo agora para te mostrar um pouco do que não tenho feito, do que não tenho dito a respeito das ideias tortas sobre as coisas da vida. E viver é assim mesmo, oscilando entre dois mundos o tempo todo. E no nosso tão pequeno gesto, a interferência multiplica-se não somente em ondas invisíveis, mas na minha dificuldade de sintetizar palavras e em resumir o meu coração latino. Mas não vou mais me estender perdendo tempo em tentativas de lhe dizer algo, quando não digo. De outro lado, você cercada de sua existência repleta de inseguranças e apegos aos laços que dão nó na sensibilidade de uma forma pisciana de enxergar o mundo e nele se difundir como se fossem uma coisa só num instante fecundo. Sei que nada é fácil nesse paralelo, mas para além, me pego repesando as nuvens que escondiam sua lua. Essa feminilidade que me falta muito, cara amiga, em especial quando tento ser resistente as brincadeiras que a vida me tece. É exatamente esse gosto doce pelas coisas, que me fazem tentar repetir esse carinho, mas não estou aqui negando a rudeza que também te alimenta instantaneamente, porque somos feitos sempre de duas bandas, uma boa e a outra ruim, uma clara e a outra obscura, uma feliz e a outra amarga, um de dentro e a outra pra fora. Mas me convoco agora sem desesperos profundos e sem alegrias afloradas. Convoco-te também perene e presente a praticar imperfeições e decadências, com toda essa vontade que às vezes cansa, às vezes dança, às vezes fraqueja, que às vezes nada. Venha e me empreste um pouco da leveza que perdi que eu te empresto a liberdade e o desapego que aprendi! Empresto-te um pouco dessa América tão minha, enquanto você me conta um pouco daquela Rússia tão sua. Ficaremos assim, caladas entre nosso silêncio, completas em rascunhos. E aos outros? O tempo, um pouco velho, um tanto cansado, meio canalha, meio carente, infringindo a lei da gravidade e desacatando a nós mesmos. Escreva comigo um protesto novo e não mais um texto amoroso, porque de amor você se basta, e eu ando tão desconfiada... elizpessoa