sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Ela


(Souza Campus)

Aproximou-se da moça para pedir esmola.

Levemente enquanto falava, deslizava as mãos sujas sobre as costas brancas da desvairada. Costas nuas, gorduras espaçadas, pendentes lado a lado do corpo. Ela o escutou deixando que ele usufruísse daqueles segundos de permissividade acatada. Exercício de pedinte. Não satisfeito, levou os dedos até os fios de cabelos, esticados à química e outros aspectos da vaidade da moça.

Um minuto. Ela, já havia chamado a atenção de todos, não por levar em si uma beleza estonteante, mas indeferida. Vestia-se toda de vermelho, roupas e sapatilhas. As costas exibidas com pelancas, bunda entristecida, short’s curtíssimos como se àquelas vestimentas não fossem feitas para ela. Completando o figurino, uma flor branca e artificial nos cabelos. Uma sujeita sem muito predicado, dizia a pobre moça, feia e mal vestida. Em seu comentário, uma espécie de desdém: “Ela deixa o cara alisar (ela) todinha, e não diz nada! Deve estar gostando e se achando a rainha da cocada preta. Aí, ai!”.

Ele não desistia do seu exercício de pobre pedinte indo de um a um, apelando para um choro mal dissimulado e de pouca expressividade.

Circular W3 norte e sul, e um sinal para que tudo ficasse para trás num piscar de olhos rotineiros.

eliz pessoa

quarta-feira, 16 de novembro de 2011



Foto Eliz Pessoa



Nas ladeiras da cobiça e encantos
Nos labirintos resguardados em cada um de nós
Ao som dos tambores e afoxés,
Sob um sol alarmante de todos os santos.
Bem lá onde os encontros são inescapáveis
E os desencontros também.
Cercados de História e fantasmas de um tempo tardio em si mesmo
Onde as horas não têm pressa,
Nem medo do esquecimento.


Onde a ação do verbo paralisasse no gingado de um corpo moreno
Malicioso
Onde os sons desaparecem no padecer de um sorriso
Onde o tempo deixou um recado no bailar das estações

Bem lá
Onde alguém ficou um dia
Resistindo a lembrança teimosa dos fatos
Dos olhos invadindo o pensamento que vai longe daqui.


Onde as cores têm sabores
E a vaidade é apenas um atributo latente do ser.
Onde o mar encanta os pescadores
E os pescadores cantam o mar
Que arrebenta na areia o rebento de um rei.


Onde a música é mais forte que a nota
Onde o dia
A noite
E eu
Tornamos-nos uma coisa só.


Bem além de tudo isso

eliz pessoa

domingo, 23 de outubro de 2011

(foto site http://www.espacoimaginario.com/)

Depois que São Pedro resolveu lavar a casa onde habitava a minha ignorância e o céu despencou sobre nossas cabeças, o tempo fechou a cara para o dia.

Flagelados, sobreviventes perambulavam na manhã seguinte sobre os atalhos daquele que se acostumou com o medo e o abandono da espécie humana.

Em meio a vícios distintos, a gana da hora se resume em labirintos de uma nova língua desvairada.

Em caminhos de muitos desesperos, tudo pede socorro: o dia, grafites estampados em muros incompletos da cidade, o pouco de tempo resumindo o horário de verão, a permanência das coisas rasas e insistentes, enquanto um belo latino insinua-se no trânsito num passo de malabaris, encantando uma moça vazia e desesperançada, em meio ao paraíso das mangueiras carregadas. Ela ainda se engana com o anúncio milagreiro para reduzir gordura localizada, de 2 a 10 cm... tudo isso num piscar de olhos corridos.


eliz pessoa

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Primavera

(Foto de Bianca Garcia)

É primavera,
em meio às cores das flores multiplicadas.

Ipês novinhos percorrem caminhos escondidos na gente.
Dilacerada, a moça aguarda a estação de si mesma.

É primavera das cores exuberantes,
nas avenidas da cidade larga.

Primavera das esperanças renovadas,
do olhar preenchidos por tanta beleza.
Beleza que passa lá fora e se encontra aqui dentro,
nos amores suaves e passageiros,
como as flores que seduzem um coração vadio e seguem morrendo.

Primavera de beleza rasgada, enlouquecida
Em meio a flor(a) do meu cor (ação).


eliz pessoa

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

América Latina


(Imagem Internet)

O que dizer dessa coisa entranhada na gente. Está em nosso odor, na nossa língua, no nosso sexo, sob os nossos pés descalços e descamados. Vislumbra-se em nosso olhar, nas paisagens que nos cercam, nos labirintos onde escondem seus mistérios ainda não explorados. Mas a verdade é que te exploraram tanto, roubaram sua matéria-prima, seus bens e seu povo. Fadigaram suas terras, oprimiram sua cultura, dilaceraram sua gente, sem dó nem piedade.

Tão diferente exuberante e completamente miscigenada. Carregada de histórias e invasões. Essa mãe de todos os latinos, gigante em território, cercada de sotaques, regionalismos e encantos. Sonhada por muitos e afetada por todos nós.

Não sei por que razão nos escolheu como filhos, ou fomos nós que a escolhemos como mãe? Realmente não sei, mas cabemos tão bem em seus caminhos, somos a semente de tuas verdades, filhos de teu sangue e de sua dor. Contigo aprendemos as diferenças que nos preenche por inteiro e que, às vezes, não afasta de nossa real face.

América Latina, nosso prazer e nossa dor. Em teu seio foram travadas enormes batalhas. Violentaram-te e ainda a violentam cotidianamente. És responsável pelo enriquecimento dos países desenvolvidos e agora assistes ao declínio dessas nações que a exploraram. Dona de paisagens exuberantes, de filhos que são a sua cara. E são tantos semblantes que a representam, muitas marcas traçadas pelas horas de trabalho escravo que seus chicos e chicas foram submetidos, meninas e meninos, velhos, índios e negros. Mãe de tantos outros que fugindo de outros pesadelos encontram em seu colo, razão para continuar vivendo.

Américas das esperanças, do sorriso aberto, de olhares aprofundados em sua magnitude. Américas das montanhas geladas, dos oceanos Pacífico e Atlântico. Pulmão do mundo respirado no verde Amazonas, dos rios que sangram seu tempo, dos vulcões silenciosos e adormecidos, das culturas condicionadas à sua existência. Ar dos pretéritos imperfeitos, da língua Portuguesa, Espanhola e de tantas outras. Aqui, seus filhos são o retrato fiel do tamanho do seu coração, da grandeza de sua alma e do poder de suas lutas. América das utopias e das idéias, dos autores e autistas, dos mortos e sobreviventes.

América Latina, sua perdição encontra-se por completo na minha, enquanto sua dor arde aqui na sua maior alegria.

eliz pessoa

terça-feira, 27 de setembro de 2011


Já posso ouvir ao longe o primeiro cantarolar dos pássaros anunciando a manhã, enquanto um gato estala nos dentes um caroço ressecado de ração. Minhas pálpebras ainda não despertaram completamente, quando busco em mim os sons de novo dia.

Penso em você sem nunca ter lhe experimentado, e quando estive em suas ruas, as oportunidades valiam ouro não extraído do lugar. Não trocamos salivas nem suores e ainda assim, sua idéia abre caminho para o uso de um a licença poética.

A cidade após longo período de estiagem, agora se alegra com a chegada da primeira chuva e a natureza compreende esse sentimento por inteiro. Uma forma de silêncio cabe em cada andamento dessas palavras e os sinais deste dia tornam-se responsáveis por um novo pleonasmo.

Descansada procuro por folhas vazias para tirar de mim esse pensar sobre as coisas vagas, como quem tenta livrar-se de um ritmo em seu compasso. No contra tempo das percepções amanhecidas, a existência interage comigo integralmente e nem pede passagem em meus pensamentos, encontrando nas palavras fresquinhas como pães da manhã após o forno, sentido para o despertar inteiro para um felino que exige mais que um pouco de minha atenção.

Manhã de terça-feira, primeira e última de tantas novidades.

eliz pessoa

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Misturas,
movimentos,
Medo a passos largos,
Longas avenidas,
Seca sobre a paisagem rarefeita,
Massas da metamorfose não percebida,
Insuficiência respiratória entre famintos e saciados,
Paralelos da espécie humana,
Autistas do fone no ouvido,
Imagens incondicionadas.

Insensibilidade sucumbida pelo tempo.
Experiências de olhares...

Fofocas dilaceradas atropelando o semáforo confuso.
Pés descalços, alegrias decadentes, afinidades ignoradas.
Caos indiscriminado ferindo a ordem camuflada.

Intermitências da vida. Realidade infunda.
Puta que o pariu do dia seguinte.

E a chuva por hora reclamada. Rasgos aqui tapando os resquícios da tarde de hoje.

eliz pessoa

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Já é Primavera no meu coração




Pouco a pouco as cores ejaculam em flores pelas ruas e calçadas da cidade.
Àrvores coloridas dando o tom da nova estação e o coração afoito empolga-se com os fascínio desse novo tempo amadurecido em cada semente resguardada.

É hora de colher paisagens coloridas, enxer os olhos de feminilidade, abrir-se para os intuitos de nova passagem.
Feliz me visto de flores estapadas no tecido, nos cabelos, pêlos e pele.
É Primavera aclamada dentro de mim.

eliz pessoa

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Oh Deus!


(Imagem do site Flickr: Faleria de oh_deus)

Elas chegam fazendo alarde. Sentam no banco do ponto de ônibus, e uma delas ascende um cigarro ligeiro e o traga seu próximo entorpecimento. A fumaça espalhasse com o passar da brisa noturna e o relógio marca zero hora, dividindo o domingo da segunda. Falam sobre assuntos empobrecidos, como: o aluguel barato de um quarto, a vizinha prostituta e seus clientes tardios, o locador inquisidor, a perseguição sobre ela, a inquilina, horas dobradas de trabalho, depois exibe em tela de celular, a foto de seu ex-marido. Reclamam o vinho de outro dia dizendo: “àquilo é vinho de pobre... derruba a gente no dia seguinte”. Empobrecidas pela própria experiência, persistem no assunto falido de um pós-trabalho de exploração americanizada. Impaciência nos ouvidos e vontade louca de chegar logo aos atalhos de casa.

Incansáveis tragam outro cigarro e o lançam sobre a pista. Elas, simples, cabelos ressecados e presos a uma fivela qualquer. Desalinhadas, chinelo de dedo, unhas pintadas, bermudas jeans, sacolas de lado e descaso com a imagem do dia. Não são belas, nem interessantes aos olhos rasos como os meus. Tortas, falam descompassadamente, engolindo o “r” de um problema pequeno e infundado. Sem esboçarem cansaço algum, voltam a falar mal da garota de programa. Chama-a de vagabunda e salientam que o velho locador do imóvel deve comê-la de vez em quando.

- Velho idiota! Puta bandida!

Outro moço de aproxima e opina sobe sobre as histórias delas.
Deixo-os pra traz e entro da condução. Por lá, rapazes afeminados, moças masculinizadas levantam bandeiras coloridas... Um deles, em pé, discursa loucamente:

- Odeio evangélicos!


Fala auto e diz não ter medo da verdade, nem de grito. E diz ainda:
- Eles falam mal dos homossexuais. Mas se Deus criou o homem que gosta de “comer” cú de homem, é porque Deus é gay.

Observo enquanto ele continua:

- Se Deus criou o céu e tudo que aí está então ele é onisciente, onipotente e onipresente, logo, Deus é tudo e igualmente criou o Diabo, as diferenças e os gays.
Outro rapaz expõe seu ponto de vista:

- Se Deus é gay e criou tudo, então também criou os evangélicos. Então ele também é evangélico. Criador de todas as criaturas.
Filosofia de eixos, parabólicas descompassadas.

Desço na altura da doze norte. Já é tarde e nem mais avalio tudo isso. Sigo com um sorriso no canto dos lábios e com a sensação sorrateira...

eliz pessoa

quarta-feira, 14 de setembro de 2011




Essas pequenas emoções vindas de todos os lados... E posso dizer (ainda que a vida se mostre morna e esgotada alguns dias) encontro pequenos talheres preenchidos de sensações furtivas.

De fato, busco essa experiência para dar sentido à constância da vida, que não cansa da gente. São cartas inesperadas de pessoas desconhecidas, palavras escritas em folhas descuidadas de si mesmas, convite de amigo para outra possibilidade, ou outra sobremesa açucarada. E quando nada acontece nos apelos da gente, a parede envelhecida pelo tempo e descaso, se pinta por inteiro de branco, dando outra razão para o olhar mais atencioso.

Por enquanto é assim que as horas tiram suas roupas, carregadas de solução para a moça que um dia se imaginou tímida e derradeira. Quando o tempo desmascarou às vergonhas, mostrando o rosto para outras pessoas já reveladas.

As cartas continuaram preenchendo os espaços da casa, abarrotadas de novidades, devaneios e outras paredes aguardam novas cores para outros olhares, igualmente afoitos.


eliz pessoa

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Mar Del Plata



Estrada distante entre o tudo e o nada.
Coração armado pra palavras desarmadas.
Estrada percorrendo a gente
Mar de tudo, pistas largas.
Edificações, frio, agasalhos.
Acolhimento.

Língua solta, ouvido atento.
Mar de Atlântico, leões marinhos, focas e vira-latas.
Respeito mútuo.
Peixes, portos, barcos, mariscos, camarões e música brasileira em rádio anteriormente não sintonizada.

Compreensão confusa, imensidão e mais nada.
Cartas ao mar não lançadas
Iemanjá das águas frias
Mistérios profundos
Nó no peito.

Fumantes compulsivos, insônia proclamada.
Personagens latinos, cafés, restaurantes, shopping’s.
Futebol.

Um sonho de cidade
Outro amanhecer, desencontros, desabafos e palavras vomitadas.
Lágrima, verdades desmascaradas, salsa, merengue, olhos preciosos, cantora afloradas, sorriso democrático, encanto latente, o sono num coração vazio, reflexões, interferência de tudo.

O dia seguinte.

Libido e a carne em corpos que se encontram
Sobre a cama, o alimento,
o gosto no gozo do outro,
o êxtase na invasão alheia.

Tatuagens, gemidos e a fome de tudo.

Escritores, poetas, humoristas, suicídio amedrontando a cidade.
Cabelos crespos, olhares curiosos, admiração feminina, desespero das palavras.

Tempo pra tudo isso.
Tempo pra mais nada.

Alongamento, escadas, tv, piadas.
Comida brasileira, saudade insubordinada.

Pêlos, apelos de mim.
Antena quebrada.
Detalhes do esquecido,
C alma pras coisas gastas.

Sinucas, pub’s, miradas,
Lendas...


Mar Del Plata...
Mar de gente!



eliz pessoa

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Vamos ao Cinema?

Eu fui ao cinema, desta vez como monitora de um projeto denominado “Vamos ao Cinema”. Fui escalada para uma escola na estrutural, cidade satélite de Brasília, que já foi um antigo lixão a céu aberto. Mas as coisas por lá mudaram muito do lixo à cidade.

Encontrei uma linda escola, organizada e pronta para nos receber de braços abertos. Tenho que relembrar os braços, bem mais que abertos da coordenadora da escola, que infelizmente não me recordo o nome no momento.

Encontramos de cara o Isacc, aluno cadeirante, pra lá de comunicativo e com uma visão rara das coisas em sua volta. Uma entrevista feita com ele, boas respostas às perguntas da jornalista. Depois algumas fotos, um café ou água. Timidamente fomos convidados a percorrer a escola e perceber as primeiras impressões dessa experiência.

Lentamente os alunos chegam e começam a entrar no ônibus, com suas fichas em verde, amarelo e azul. Esse tipo de acontecimento é um evento numa escola pública, tanto que as muitas moças chegam à escola como se estivessem prontas para uma festa. Cabelos esticados, roupas brilhosas, meia calça, maquiagem e sapato alto. Um luxo só! Os meninos, menos despreocupados, se arrumam de qualquer maneira. Tudo certo e dentro do programado.

Já a caminho do cinema, muitas conversas gritadas no interior do veículo, olhares curiosos, e algumas explicações flertadas sobre cinema e produção de filmes. Eles respondem e interagem. Este exercício me estimula bastante, ainda que tendo que disputar com o motor do ônibus, ou com a desatenção de alguns, mas nada disso me desestimula.

Friso bem a importância do cinema brasileiro, assim com o Festival de Cinema de Brasília, que muitos desconheciam ou nunca ouviram falar. Em meio ao barulho, eu digo: “Não acredito que vocês nunca ouviram falar em Festival de Cinema de Brasília!”, quando um aluno responde coerentemente: “Tia, a gente não mora em Brasília! Moramos na estrutural, uai!” Respondo: “Mas Brasília não é só o Plano Piloto. As satélites também completam o que é Brasília. “

Percebo a acesso inexistente nas periferias a cultura do avião. Embora saiba que a periferia tem muito que contribuir culturalmente com Brasília.

Pier 21, shopping center badalado e freqüentado por pessoas com o poder aquisitivo alto. De repente, eis que surgem alunos das periferias, que invadem o shopping com sua energia, causado certo espanto para os bem afeiçoados freqüentadores do lugar. De um lado as filas de alunos, do outro as lojas, restaurantes e demais estabelecimentos comerciais.

Equipe pontual, trabalho corrido e o projeto se desenrolando dentro do previsto.

Pipocas, refrigerantes e ingressos distribuídos, correria e o filme: "Planeta dos Macacos", “Piratas do Caribe e Capitão América” em 3D, distribuídos em algumas sessões de cinema, também experimentadas em outras escolas onde nossa equipe pisou seus pés.

Após muito barulho, o filme dá início e o silêncio, quebrado apenas pelo mastigar das pipocas. Enfeitiçada a turma observa...

Nos bastidores, trabalho, trabalho e mais trabalho.

Aliás, trabalhar num projeto desses é gratificante, pela presteza dos envolvidos, pela idéia do projeto e por conhecer tantas figuras encantadoras e cheias de histórias.

Relembrando ainda lá na escola, um senhor com os seus setenta e poucos anos, nos atende com gentileza e atenção. Homem da roça, mãos marcadas pela dureza dos tempos, olhar amadurecido, e algumas histórias de uma vista já cansada e teimosa. Enxergando apenas uns 20% do total de sua visão e insistindo em não usar óculos. A coordenadora da escola contou que conseguiram o convencer a fazer o exame de vista. Ele, depois de rendido, se entregou e deixou que o levassem. Ficou grato o resto da vida a ela. De tão agradecido, todos os dias caminha horas até a escola, e sempre leva uma melancia para ela, ou qualquer fruto que a terra esbanja. Uma figura!

Em tempos de escolas públicas, personagens como o Isacc é mais que encantador. É fonte de aprendizado para quem convive com ele. Não pelo fato de sua deficiência, mas pela cabeça bem organizada no olhar à vida.

Saindo do cinema... Fileiras e muitas conversar sobre o filme. Caminho da escola. Isaac aguarda que todos desçam do ônibus e desce sozinho, sem precisar de ninguém. Na escola seu triciclo, feito por ele mesmo, o aguarda para levá-lo à sua casa. Tudo adaptado por suas mãos e cabeça. Um gênio de suas próprias necessidades. A equipe resolve acompanhá-lo, juntamente com a coordenadora. Seguimos em frente, percorrendo as vias da cidade Estrutural. Bairro silencioso nas madrugadas vazias. Histórias de periferia e uma imagem cinematográfica. Nós no carro atrás, Isacc com seu veículo cheio de personalidade e alguns pensamentos furtivos. Entregue, nos despedimos e seguimos em frente.

Aqui, fica um tempo lembrado na memória: “Isaac! Não senta no não! Vai se sujar todo! Ta tudo empoeirado. Ele responde: “Não adianta eu fugir da poeira”... “ela sempre vem atrás de mim”. É inevitável!”.

E aí, “Vamos ao Cinema?”.

eliz pessoa

Somália e outras catástrofes

Perdi o sono e liguei a tv, atencedendo a manhã aproximada. Encontro o mundo virado ao avesso... Na Somália o império dos famintos e miseráveis. Um povo esquecido pelo mundo e em duelo consigo mesmo.

A seca, a ignorância, o descaso e a fome unindo-se para dizimar, em menos de quatro meses, as crianças de um país desarticulado. A fome, injustificável, fruto do Capitalismo e da indiferença humana e o desperdício de alimentos predominantes no Brasil. Caberia vergonha num país de desavergonhados?

Rapidamente dez anos do onze de setembro e num passe de imagens cinematográficas, dois símbolos do poder virados em pó.

O mundo assiste de olhos arregalados a revira volta dos tempos. E a “culpa” é dos muçulmanos? Duvidêodó! Depois os punks e os discípulos de Hitler (skinhead), conhecidos como “os cabeças raspadas” e o confronto agendado virtualmente... o sangue sobre o asfalto paulista, a faca e as múltiplas perfurações ceifando a vida de um homem. A busca da morte. Pra quê? Pergunto-me. O gosto pelo desgosto alheio. Quadrilhas de banco e de equipamentos hospitalares, tráfico religioso de drogas, as bolsas de valores boicotadas por um dia, a neurose sistêmica dos mercados financeiros e os prisioneiros de tudo isso. O mundo num ataque de nervos.

Doze anos e o apelo amadurecido de um menino prisioneiro de sua própria mãe. A serenidade fora de época e os labirintos da vida. Escapando dessa novela humana, leio um pouco em Espanhol, observo a fineza do Chile num mapa afixado na parede, tomo consciência dos dias, do tempo que não é mais da gente. Não encontro o sono e nenhum motivo aparente. Coço a cabeça... Cinco horas da manhã, sinto fome de tudo, olho para os livros e nada me basta. Ainda sou a mesma do dia seguinte. Sigo buscando algo em meio a um mundo tão cheio de si mesmo.

Escrevo para amanhecer lobo e prematuramente. Escuto os tons e semitons de um único passarinho, anunciando outro dia. A cidade ainda escura amanhece amiúde, como um calendário que insiste em organizar o caos.

Essa noite não dormi, não chorei, nem sorri. Busquei pelo sono pacientemente, mas ele preferiu passar longe daqui, sem me dar explicações aparentes e sem que eu cobrasse um minuto de sua sonolência.

Queria o João Ubaldo para me excitar com sua luxúria, mas já não sei se é tão tarde ou tão cedo para tudo isso. Sinto preguiça e já nem sei se quero mesmo dormir, depois que o dia acordar descansado. Prefiro ficar quietinha, aguardando que o Sol cante um dia novo e já pronto para morrer em 24 horas.

Saudades de quando eu dormia a noite inteira sem pensar na apocalíptica Somália.



eliz pessoa

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Carta


(Foto eliz pessoa)

Escrevi uma carta pra você. A primeira delas! Depois me preenchi de coragem para pedir sua direção. Tive dúvidas no que traçar de assunto em minhas palavras. Perdi as dúvidas e coloquei uma música, e comecei a escrever lentamente enquanto a madrugada invadia a minha cidade.

Você gostaria de receber cartas em tempos regidos pela pressa tecnológica?
Eu gostaria! Faço parte dessa literatura cotidiana das palavras.

Eu sei, seu sei que a gente não se conhece! Mas me diz: “o distancimanto ajuda olhar as inteireza das coisas."

Eu gosto dessa canção que toca aqui, agora. Gosto também de palavras desajustadas... das pessoas desarmadas.

Eu escrevi uma carta pra você!

Escrevi uma carta para mim!

Escrevi

uma

carta.


eliz pessoa

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

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Foto Eliz Pessoa

Outro dia, outro lugar.
Outras cidades, outras metades compartilhadas.

Cartas, desabafos e rabiscos.
Risco de tudo, tiro no nada.

Voando e descobrindo-se lentamente.
Desarmando as possibilidades, desencontros, dois lados, dois países.

Amizades, lágrimas e muitos sorrisos.
Pessoas, culturas e novas canções não ensaiadas.

Mar, céu, estrada, estrada e estrada...

Releituras, re-começos.

Falta de saudade, excesso dela.

Lembranças não temperadas por ninguém.

Sonhos, confusão, noites mal acordadas.

Frio, calor, tudo e nada.
Me gusta, eu gosto.

Futebol, outros prazeres não declarados...

Ela, todos, ele.

Parágrafos, frases tatuagem.
Disfrute, sentidos.

Silêncios...
Barulhos...

Gente-leza, “em tiempos dondo siempre estamos solos.”


(*) trecho da canção de Fito Paez “Al outro lado del Caminho”


Eliz pessoa

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Por aí


(Foto por Eliz Pessoa)

Havia uma possibilidade remota de fazer as coisas acontecer de uma maneira mais branda, fácil.

Havia muitos caminhos nesses passos sobre as coisas, existindo intensamente segundo a segundo.

Havia tanto texto aqui, ai, a cá, Allah.
São tantos deuses endeusados pelas gentes.

Há tanto Brasil aqui dentro de mim e ainda há tanto ainda que brasiliar...

Sou essa confusão generalizada em um mundo completamente confuso em si mesmo.
Sinto-me um reflexo da perdição em que me encontro. Perdição ligada a minha alma, a minha maneira de ver as coisas remotamente.

Sou uma possibilidade cheia de reticências.
Vivo este agora, e quando a dor me acomete, perco o medo da morte, quando não a curto intensamente, indo no fundo das coisas.

Tenho a impressão de que uma hora acordo dessa coisa boba e maravilhosa do existir e deixo essa ilusão generalizada. Mas é tão bom viver, desabrochar...

Viver é estar completo em tudo que se pisa, é estar inteiro em tudo que se divide.
E não se engane, não é fácil escrever (confesso). Nada é fácil, mas o não escrever é assumir a morte enquanto vida, dia a dia, enquanto esqueço tudo isso.

eliz pessoa

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Brasília



(Foto de Eliz Pessoa)

Esses eixos que se cruzam
Nessa gigante encruzilhada
Esse céu que engole a gente
Esse abismo de cidade

Bras-ilha,
Essa imensa solidão
Esse mar de gente vindas de outras realidades
Esse desencontro de raças
Esse desassossego das palavras

Tão moça ainda e tão poderosa
Envolta em negócios camuflados
Manipulada por pessoas igualmente suspeitas

Cosmopolita e interiorana
De beleza arquitetada pela ação de gênios e loucos
Pensaram-te tão friamente,
Sobre números e idéia comunistas,
Mas esqueceram que uma cidade nasce naturalmente
E pulsa no coração de seus filhos

Eu gosto de você cidade,
Sou fruto de tuas entranhas,
De sua dor
Mas ando inquieta contigo
Porque fazem de você um fantoche qualquer

Não consigo mais me deslumbrar com a sua beleza maquiada.
Pois te enxergo além de tudo isso
Vejo-te sem maquiagem e não a acho tão bela
Quando se despi diante de meus olhos

Tentam tapar as suas feridas ainda abertas,
Sem tratá-las por dentro
Contam histórias ao seu respeito,
Mas camuflam a sua verdade

Congelam seus movimentos num cartão postal,
Onde o mais belo são os Ipês florindo,
E não a tua arte.

Hoje me dói por vê-la tão linda,
Quase mulher e tão bajulada por pessoas que
Não se interessam pela sua essência,
Ou sou eu que (ainda) não a compreendi intensamente?

Brasília, por hora você é
Apenas uma linda moça,
Em meio a tantas outras beldades,
E isso é tão pouco.

eliz pessoa

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

É Gol na Argentina!




Caminhando pelas ruas de Buenos Aires, sinto-me mais uma na multidao. A cidade frenética, corrida passa sobre mim muito depressa, alucinada como quem se estivesse altamente drogada. Maluca por negócios, cultura, história, política e gente por todos os lados, personagens que cruzam olhares mas nao se exergam de fato. Impressionante!

Busco o interior de uma igreja, me encanto com a novidade. Tetos pintados de anjos, imagens pesadas, como se o pecado pudesse de fato, cair sobre nossas cabeças igualmente alucinadas. Quando neste mesmo momento, escrevo e levemente aproximasse da alsa de minha bolsa, uma mao suave, de dedos cumpridos. Rapidamente meu instinto manifesta-se por inteiro e minhas maos-magras respondem com a mesma suavidade a acao da ladra, enquanto meus olhos a fitam intensamente censurando-a sem palavras... Ela nao corresponde ou olhar, esquiva-se, faz o sinal da cruz, levanta-se e sai como sutilmente como se nunca tivesse ali estado. Espertinha a bandida! Aliáz, a igreja é um bom lugar para se fazer de santo.

Fugindo da santidade, encontro a inocência das crianças, enfeitando a praça em frente ao Palácio do Governo. Pombos em milhares pousam sobre a cabeça da professora, e os pequenos fazem à festa. Depois, manifestos, velhos reunidos em protesto, turistas, observadores, todos, absolutamente todos, misturados à massa.

Mas um pouco, em outros atropelos das palavras, Museu de Arte Moderna e uma única exposiçao despia-se por inteiro diante aos olhos, agora rendidos. O artista de nome Antonio Sigué, retratava em gravuras o homem e sua relaçao com o sexo, a transsesxualidade, a rotina, a formalidade, a decadência, as fantasias e os fantasmas dessa nossa humanidade revelada. Nos outros espaços, vastidao e muito barulho, provocados pelo trabalho incanssável dos homens em outro processo de montagem para outras produçoes.

Correndo de um lado à outro, fica fácil se perder pelas ruas da cidade, ainda que munida de mapa e outras referências. Piedras, Tucuraí, Perú, Avenida Belgrano e outras possibilidades. Mas me encontrei entre uma equina e duas ruas, aparentemente inimigas.

Grafites dao um espetáculo à parte, multi-coloridos, expressivos e completamente pessoais. Muitos artistas escondidos por detráz de tudo isso. Pelos parques, àrvores grávidas, mendigos agasalhados, fumantes ativos e passivos (muitos), "arranha-céu da boca portenha", imensidoes, museus, pugilistas, bicicletas, relógios suplicando por mais tempo no tempo da gente, bibliotecas, esconderijos, pessoas, futebol, hostel, Brasil.

De volta ao recinto, finalmente assisto a uma partida de futebol com a Selaçao Brasileira de Futebol. Amistoso entre Brasil e Alemanha, bola pra lá, pra cá e por fim, a Alemanha finaliza em 3 x 2 em cima do Brasil. Jogo bonito de ser ver, em especial, pela excelente atuaçao entre Neymar e Ganso, sintonizados numa mesma estaçao, como se estivessem jogando em casa, no Santos. É muito bom ver e ouvir o nome do Brasil em outros contextos.

Mais pra lá, outras formas de se entender a palavras, cara de brasileira, bolsa apertada sobre o braço, acuidade na maneira de expressar-se, palavras mudas, futebol novamente, aqui sim uma paixao nacional. É fácil reconhecer nossa grandeza em relaçao a bola, até porque somos o maior em número de títulos mundiais. Mas, de verdade? Somos mais regrados em nossa paixao. Nos apaixonamos desde cedo pela arte da bola, tanto que qualquer muleque brasileiro parece já nascer com ela nos pés, senao nas idéias. Nao sei como é isso no Uruguay, e por essa razao nao arrisco-me a falar nada, agora aqui na Argentina sim! SE RESPIRA FUTEBOL, SE COME FUTEBOL, SE BEBE FUTEBOL, SE PENSA EM FUTEBOL, SE PRATICA FUTEBOL, e por fim, SE VIVE O FUTEBOL loucament! E para provar a teoria, digo que até os campeonatos de segunda e terceira divisao, tem seu espaço nos canais abertos da televisao Argentina. Diferentemente do Brasil. Lá em casa, caiu para a segunda, rebaixou-se de fato, acaba qualquer tipo de divulgacao ou publicidade.

A pelota aqui é sagrada e uma verdadeira unanimidade.
É Gol na Argentina!

sexta-feira, 6 de maio de 2011

João Carlos Martins & Anderson Noise in Concert - Heitor Villa Lobos "O ...

A orquestra

Aprendi a ouvir música indo aos concertos da Orquestra Sinfônica de Brasília, lá na Sala Villa Lobos, que leva o nome do nosso maior compositor brasileiro (Heitor Villa Lobos). Naquele tempo era muito comum ver os adolescentes do rock ou do metal, carregar seus instrumentos musicais, depois das aulas da Escola de Música de Brasília, e assistirem a orquestra de apresentar. Tinha gente de tudo quando é idade, condição social e perfil. Não me impressionava muito com isso, porque sempre acreditei que a música não tem fronteiras, ela não está necessariamente, no modo como nos vestimos, nem em padrões sociais, ou qualquer outra coisa pré-determinada.

Para quem tem os ouvidos bem abertos, a música pode estar em tudo. Suas ondas vão bem mais além que muitos estereótipos. Era fácil compreender em tratando de música.
Foi ali que me dei conta de cada instrumento, da participação de todos eles na construção da sonoridade. Como numa mágica, todos dançavam conforme suas próprias canções. No meio da platéia, meu olhar atento não deixava escapar um segundo de cada instrumento, todos com o seu valor. Mas o que de fato mexia com minhas sensações era o baixo clássico, depois os instrumentos percussivos, que geralmente ficam lá atrás e principalmente o Maestro.

O Maestro é o rei da orquestra, com sua vibração, sua intuição e sua atenção a construção de uma regência. É como um bailarino, pois é através do corpo dele que a música se encontra.

Por aqui, tenho lembranças muito felizes do Silvio Barbato. Silvio era a alma da música quanto ali estava em seu papel de maestria, com sua energia, seus gestos firmes e exatos, a orquestra deixava-se fluir, seguindo os caminhos de seus braços.
Obviamente que este é o papel do Maestro, dar vida a música que já existe solta no ar.

Talvez esse gosto meu pela atuação do Maestro venha lá da infância, nos tempos dos desenhos da Disney, quando o Michey regia sua orquestra de bichos.

E na memória da infância essa emoção ainda é viva dentro da gente.

Quando se é criança é fácil o encantamento pelas coisas. Comigo não foi diferente.
Hoje, escutando música clássica, percebo o quanto ela me influenciou e ainda me influencia profundamente. Heitor Villa Lobos e o seu Trenzinho do Caipira (nada mais brasileiro que isso), Vivaldi e suas Quatro Estações, Strauss e o seu Danúbio Azul, Ravel e o seu Bolero e tantos outros...

Se couber uma idéia seria: aprenda a ouvir música, assistindo as orquestras espalhadas por aí. Além de ser muito bom para a alma é um grande aprendizado pra vida.


Eliz Pessoa

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Strauss Vals del Danubio Azul Orquesta Sinfonica de Alicante Dir Joan Ib...

Legião Urbana

Eu poderia escrever sobre alguns detalhes que não me cabem agora, mas de fato resolvi falar da Legião Urbana e sua legião de fãs, que assim como eu cresce a cada dia. Vou falar, porque hoje o dia amanheceu com saudades de um tempo que não mais existe fora de nós. Outra Brasília cheia de contradições e diferenças, mais angustiada em si mesma e menos conformada que hoje. E às vezes essa angústia é tão mais necessária que o absurdo do instante.

Renato Russo faz falta sim no nosso tempo! Porque soube contar a minha cidade, soube desmascarar o Brasil, despiu-se de suas próprias máscaras e de nossa falta de vergonha com o país das diferenças sociais, raciais, culturais e econômicas. Faz falta porque era a angústia em pessoa, a inteligência exacerbada, o poeta, o artista, o homossexual indignado com as mentiras do poder e não indiferente as outras verdades de lá. Soube contar pra minha geração, o que ela estava gerando pra si mesma.

Ícone de um tempo, refletindo tão bem as malícias e ingenuidades de uma Brasília já distante, mas não menos verdadeira. Como ele mesmo diria “esse é o nosso mundo e o que é demais nunca é o bastante, quando os assassinos estão livres e nós não estamos”.

O que mudou dentro da gente daquela época pra cá? O que aconteceu com as nossas vidas? Com as nossas interrogações? Com nossas metades não distribuídas? Como a falta de bom-senso coletivo? E com àqueles jovens distraídos, impacientes e indecisos?

Dentro de mim, ficou a música, a expressão mais significativa e muitas palavras que não se gastam tão cedo, que não ficam mudas de uma hora pra outra, que gritam ainda muito alto nos cantos da cidade.

A Legião Urbana, ao Renato, a saudade.


Eliz Pessoa

Legião Urbana - Faroeste Caboclo

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Pretérito Impefeito


Foto Eliz P.

Há momentos na vida em que nenhuma palavra cabe tão bem dentro da gente, apenas o silêncio. É dentro dele que a gente se encontra, se cala e se conta.

Nessas horas nossa melhor companhia somos nós mesmos, atrelados em nossa quietude. Aguardamos a hora das coisas, o tempo do tempo, com sua vontade própria e suas necessidades desconhecidas.

Eis o tempo do pretérito imperfeito.




Eliz Pessoa

Stand by Me - Playing for Change

SANGUE LATINO - EDUARDO GALEANO

terça-feira, 3 de maio de 2011




Foto Eliz Pessoa



Ta bem escuro aqui agora, e depois de uma breve meditação, os ânimos pedem sossego e um pouco de distância das coisas da gente.

Esse escurinho aconchegante guardando o silêncio e a escolha de uma música, para quebrar este mesmo silêncio.

Essa eterna dúvida armazenada nas coisas, e um pouco de uma vontade gasta em si mesma. Caminhando por aí, fica fácil perceber as coisas dos outros. O mundo que nos circunda, as folhas caídas do outono, o friozinho amanhecido nesta manhã, as nuvens carrancudas no céu da cidade, o velho caminhar do tempo, lento e conformado, a agitada fala da adolescência, o basquete dos meninos que crescem rapidamente sobre os olhos de seus pais, as escolas, o trabalho, a casa, os outros, e o nada no meio de tudo isso.

Hoje foi um dia desses, onde as coisas não se contam por inteiras... ficam ali, aguardando os ajustes da vida e os desajustes da alma.


Eliz Pessoa

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Paranoá




Foto de Sérgio Costa


As ondas lambem a margem de terra vermelha, deixando conchas de água doce sobre o caminho. Não posso ver, mas ouço o barulho provocado pelas vozes de crianças brincando no lago. Águas de Oxum refletem o céu mais misterioso que conheço, e, embora íntima de suas incertezas, ainda me dá um vazio tremendo em vê-lo tão inteiro sobre o a minha cabeça.

Bem à diante, uma lancha luxuosa dá movimento às águas escuras. Mulheres exibem-se de biquíni e os homens se engrandecem com suas lanchas e suas fêmeas ambiciosas. Inesperadamente um pequeno ultraleve sobrevoa meus pensamentos distantes.

Recordo-me que há um tempo, este mesmo mato tinha cuidados especiais, diferente de hoje quando alonga seus fios sobre o Paranoá, escondendo a gente da gente mesmo. Diálogos entre cortados à distância, barulho do motor, olhar corriqueiro e outras metades.

Escrevo pra distrair o tempo, pra esquecer. Depois, reescrevo pra dá sentido à vida que não memorizo num único instante. Essa vida cheia de falhas, de atitudes silenciosas, dos absurdos de quem detém o poder e de quem experimenta a pobreza. Pobreza das ruas, dos lixos, d’alma em aglomerados urbanos. Pobreza alimentada nos restos desperdiçados em nós. Mas a vida é assim mesmo, misteriosa, passageira, insensata, milagrosa, cheia de artimanhas e musicalidade. Essa vida que dá e passa como as pequenas ondas do Paranoá.

E às vezes, essa solidão que nos faz inteiros, em outras é o acompanhado que se senti só, ou, é só a gente na gente mesmo, convivendo com as nossas próprias diferenças. E há tanta coisa nesse absurdo vazio.

Eliz Pessoa

sexta-feira, 29 de abril de 2011

TUDO



Foto Eliz Pessoa


É verdade, é verdade! Tudo, absolutamente tudo nos influência. O cheiro do mato depois da chuva, a cor do sol depois da seca, o barulho dos passarinhos de manhã cedo, as notícias mal cotadas na televisão, os site de relacionamentos, os improvisos do governo, a estadia em outro canto, o marasmo, o atalho, o outro.

O outro em nós, isso influência a gente um tanto... tanto que me perco!

Tudo está em tudo todo o tempo. E o tempo tem lá suas esquisitices! Tem horas que ele manda e desmanda sem perguntar se a gente aceita os seus desígnios! Depois, finge que não fez nada, que não viu nada e que nada cabe em nada.
De vez em quando anda meio descuidado, displicente, sonda a área, da meia volta e volta, todo faceiro.

Mas voltando ao topo das coisas, até ali existem histórias de superação, de separação, de dedicação. Aliás, é no auge das sensações que outra queda nos aguarda sorrateiramente num pensamento. E tem gente que se perde com tanta bobagem engaiolada nas idéias retorcidas, como árvores do cerrado em pleno centro-oeste.
No meio do todo, toda a gente se encanta, outras se acham, outras nem sentem. Daqui, no absurdo mudo do que experimento, outro texto, outro desespero, muitas alegrias, tantas delas nem tem lá o seu sentido. Mas quem disse que é preciso sentido em se ter alegria?! Alegria se tem, se experimenta e erradia.

Tristeza também tem lá o seu poder, sua dor, sua ardência. Mas como tudo nesta singela existência, dá e passa. E quando passa leva muito da gente.
Falando em gente, tem tanta gente por aí, por aqui, por acolá, por lá, por tudo que há. Tem gente até pedindo pra nascer, enquanto outros pedem pra morrer. Alguns até morrem! Tudo tem seu tempo, sua hora, seu desprendimento.

Tudo não cabe aqui. Ah, mas não cabe mesmo!

Eliz Pessoa

A Cidade (Clipe) - Chico Science & Nação Zumbi

quinta-feira, 28 de abril de 2011

M-u-d-a-n-ç-a



Que venha o caos, o absurdo, o insano.
Que venha o abismo, o surto, a mudança.
Que venha sem jeito, sem anúncio de si mesmo.
Que venha por dentro, desconstruindo os alicerces de minha base.
Que venha e reformule os detalhes, as cores, o cheiro e os sabores das coisas de antes, para as coisas de agora.
Que venha de mim e que aqui, encontre outro alguém, outra verdade.
Que venha desobstruindo as artérias do peito, limpado os alicerces da alma.
Que venha diferente, sem preconceitos, sem fórmulas que nunca foram exatas,
Sem regras propriamente ditas, sem muito do que não mais há.
Que venham inteiros sobre os olhos os novos horizontes, outras metáforas e particularidades peculiares a cada um de nós.
Que venha, enquanto eu ainda estiver aqui.
Viva, dentro de mim.


Eliz Pessoa

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Onde?




Foto António Leão (Olhares.com)



São tantas coisas dentro da gente, acontecimentos, pensamentos, incertezas, certezas repensadas, atalhos e desalentos caminhando dia-dia sobre os asfaltos dessa nossa existência cercada de mistérios por todos os lados.

E o amanhã da gente?
E os atrasos do tempo?
A pressa das horas?
A transmutação das coisas?
A vida vivida tão abruptamente?
O percorrer do caminho e a forma como trilhamos seus espaços?
Os passos largos da nova estação?
A seca terrivelmente resumida?
A cidade e todas as suas vias congestionadas?
As pessoas seguindo na pressa do nada,
e essa pressa equivocada do onde.

Pra onde mesmo?


Eliz Pessoa

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Interpretações




Foto: Eliz Pessoa


Se eu faço alguma coisa é o retrato de minhas interpretações sobre o mundo que me cerca por todos os lados. E o meu olhar sobre esse mundo, nem sempre é justo. Às vezes peca por excesso de confiança ou de participação demasiada com minha própria inteireza. E eu nem sempre sou inteira, desfragmento-me lentamente como na máquina de um computador já vencido pelo o tempo.

E essa solidão onde me penso melhor, onde piso por dentro, onde o coração malandra impiedosamente, inquietando o pensamento.

Esse ato que desata no abismo, sem confessar meu querer.

Eliz Pessoa

Laranjeira




Foto: Eliz Pessoa

No sossego dos instantes no mato, em meio aos sons dos passarinhos, na vastidão de um céu imenso e iluminado pelo sol de um dia alegre, folgado, sem obrigações cotidianas, a vida se alimenta dos dias, horas, segundos que dançam livremente sobre os dedos, sapateando teclados de computador.

O interior e a capital juntos no mesmo lugar, na mesma estação, ressecado por idéias distorcidas, quando o ato da escrita manifesta-se intensamente sobre os meus anseios... Compulsivamente redijo um novo parágrafo, atropelando o tempo que não existe somente aqui.

É dia claro e o pé de laranja está carregado de novidades, folhas caídas sobre a grama, flores anunciam frutos que viram no tempo seguinte, e a vida planta na gente novos horizontes, outros dias e uma infinidade de coisas.

Um livro espera pacientemente os desenhos que irão alegrá-lo, sobre papéis coloridos de uma história infantil, e a menina dos gatos, também tem tempo de repensar as coisas.

Caberiam outras histórias e algumas metamorfoses, muitas vezes não vista sobre outras óticas recolhidas, que também co-existe em nós.

Haveria acertos nas coisas ditas e no inusitado lusitano?

Algumas cartas aguardam seus destinos longínquos: Itália, São Paulo, Alemanha, Espanha, Casimiro de Abreu e muitas palavras gastam-se na existência desses rabiscos.

Quais histórias seriam contadas aos amigos de lá? E quais vivências reformuladas caberiam na vida de cada um deles? Mas, em noites de lua clara, a imaginação se expande sobre as vontades do corpo e dos felinos no cio, animais afoitos, mistura da massa, inquietação na gente.

Num dia ainda claro, continuo pensando em tudo isso.


Eliz Pessoa

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Todo dia é assim



Foto Internet (desconheço o fotógrafo)


Na real, o que de fato rola é o aglomerado urbano, falapitas, favelas, puxadinhos, quitinetes, esconderijos humanos, entulho de gente. Todo santo dia é assim, cidades em colapso, assaltos a mão armada e desarmada também, meninos macérrimos exibindo os ossos do tórax e a pele queimada pelo Sol constante. Ônibus, metrôs e clandestinos seguem levando gente como se fossem bichos... E os bichos? Coitados! Seguem fugindo de gente.

Verdades e mentiras convivendo juntas, entre a nossa congestão diária. E se de um lado os governantes governam em prol de suas finanças pessoais, do outro o povo (povinho mesmo! substantivado) trabalha como formigas incanssáveis, esbarrando umas nas outras, fofocando um pouco e levando seus afazeres, atarefadas.

Êita que esse mundo é muito besta e desembesta a gente! E no fundo? Até que eu acredito...

Eliz Pessoa

terça-feira, 19 de abril de 2011

Gradativamente



Foto de R de Rien (Fonte: Olhares.com)


No Brasil muitos sons se misturam com outras sensações dilatadas poro a poro dentro da gente.

Na metamorfose do tempo, a vida se expande sobre muitos apelos, que não cabem somente numa estrofe, num único verso ao avesso de nosso desalento.

Literalmente nos encontramos em frases soltas, nos rabiscos prósperos, feitos para o dia seguinte, nas tantas verdades cantaroladas pelas cigarras agarradas em árvores de sua estação mais passageira.

Pacientemente o tempo se vinga de tudo, transforma a nossa sensibilidade, nos oferecendo novos temores e outros propósitos que não se encaixam apenas em estantes abarrotadas de livros desencantados com a nossa falta de tempo ou por outras desculpas, culpadas, no fardo das linhas que se desequilibram gradativamente, dia a dia.

Eliz Pessoa

Menino



Foto de arquivo Internet (desconheço o fotógrafo)

Vem que é final de tarde, final de semana, final das férias... Em meio à muvuca dos bares de mesas cheias de conversas despojadas, no relaxar dos dias que se confundem com vontades afoitas no movimento das ruas da cidade sem mar.

Cervejas, cachaças, pizzas, cigarros, olhares que se observam dispersando no momento seguinte. Diálogos sem sustança. No meio disso tudo, um menino franzino de olhos afoitos, passa despercebido, carregando uma sacola plástica de restos de comida, indo firme em seu propósito de seguir em frente.

Depois que ele se foi, tudo passou junto dele: a prosa, o verso, o tom das palavras, a anciã em contá-las e o fragmento das coisas.
Depois que ele passou.


Eliz Pessoa

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Ruas



(Foto da Internet)

Brisa que se expande nas larguras do céu de Brasília. Caminhos onde bicicletas deslizam, na velocidade dos pneus finíssimos. O olhar inquieta-se na penumbra da noite clara. Medo de assalto, após outros roubos da vida. Lua crescendo a lá na frente na pista, após um programa, uma moça esguia, alta, vestindo botas de “Uma linda mulher”, rebolando loucamente, com seu mini-short rasgado, como as calças dos anos 80, exibindo a pele da bunda lisa, sem estrias ou celulites, sem marcas da flacidez imposta pelo tempo e suas leis físicas, salta de um carro escuro. Cinturinha de pilão, tatuagem miúda e do outro lado da calçada, homens engravatados, pós-culto evangélico, experimentam as diferenças dos fatos. Não me atendo a olhares de extremos, apenas ao equilíbrio da puta sobre o salto-fino, e ao meu próprio equilíbrio sobre a bicicleta. Depois de um tempo repensando as coisas, me coube a dúvida se a puta era moça ou moço.

Bem à frente, um mendigo e seu vira-lata, exalam a realidade das ruas e da vida na cidade. Dois homens altamente embriagados consolam-se agarrados na garrafa de água ardente. Conversam alto, esboçam histórias, desequilibram-se simultaneamente sobre o piso firme do asfalto, na decadência das noites.
Bares, movimento, cursos, esquinas que dizem não haver por aqui, outras putas contornando a cabeça dos homens, dão vida a vida na aqui.


Eliz Pessoa

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Filhos de Gandhy



Foto Internet



Pelas ladeiras o pelô no meu último dia por aqui, estou vestida de branco, colar de baiana, pele melada, sandálias abertas, coração incendiado e o sotaque baianês escorrendo na saliva. Desisti da boêmia no Rio Vermelho, ficando resguardada sob a Lua intensa e gasta, clareiando as ladeiras que descem sem dizer pra onde na cidade carnavalesca.

De um lado bares e MPB, do outro, show gratuito nas praças e axé nos palcos escondidos e música cubana. No meio da festa, recebo um presente baiano. Um colar de pedras azuis e brancas dos Filhos de Gandhy. Um homem me coloca o colar nos ombros e sai sem dizer muita coisa. Agradecida experimento os últimos instantes da brisa de Salvador. Sigo em frente pelas praças e vielas, acompanhada de duas paulistanas até ao ponto onde o samba rola solto. Vozes femininas, música de Riachão, “ai meu Deus!”. Não entro evitando o pagamento do couver artístico naquela hora da madrugada. Esta noite não durmo e não me esqueço mais das coisas tardias, horas que se cumprem carregadas de pretensões sobre a supervisão dos meus olhos afoitos de mais Brasil. Lentamente um senhor, negro de cabelos e barbas esbranquiçado, acende um cigarro e descuidadamente me observa com o colar sobre o pescoço. Hora o colar, hora eu. Sem mais dizer, dou a volta, atravesso a rua rumo a Praça Terreiro de Jesus. Ali mesmo, sambo, aproveitando do som feito nos bares. Festa em noite de lua clara sob os desígnios de São Salvador.

Ela se aproxima com suas fitinhas do Senhor do Bomfim, oferecendo-as “gratuitamente” para as paulistanas que se esquivam ante ao fato. Tenta enrolar com sua lábia atropelada, chega à primeira e quanto vem na segunda, lá estou eu e o seu olhar sobre o colar de Gandhy. Ela torna-se séria e me olha com frieza, desconversa e não me tenta novamente. Logo me sinto segura e respeitada com o uso do colar presenteado. Tomo fôlego e caminho pelas ruas apertadas do pelourinho esquecido.
Madrugada à dentro, mistérios sem palavras, pensamentos furtivos, hiatos, vontade de ficar mais um pouco, de experimentar ainda mais desse tempero e ver o sol nascer redondo na Bahia de Todos os Santos, Encantos e Axé.
À benção Oxóssi!


Salvador-BA, 3/4/2011, Brasil!

Eliz Pessoa

sábado, 9 de abril de 2011

SEXTA



Foto retirada da Internet


Bem que é final de tarde, final de semana, fim de férias. E em meio à muvuca dos bares, das mesas cheias de conversas despojadas, no relaxar dos dias que se confundem com vontades afoitas, no momento preenchido pelas ruas da cidade sem praia, cervejas, cachaças, pizzas, cigarros, olhares que se observam, dispersando no momento seguinte.
Diálogos sem sustança. E, no meio daquilo tudo, um menino franzino, de olhos afoitos, passa despercebido, carregando uma sacola plástica com restos de comida, firme em seu propósito de seguir em frente, seja lá pra onde.

Depois, tudo passou junto com ele: a prosa, o verso, o tom das palavras, a anciã de movimentá-las e o fragmento das coisas.
Depois que ele passou.

eliz pessoa

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Massacre em Realengo



Foto Jornal Estadão


Quanta dor caberia num coração? E quando essa dor multiplica-se em tantos outros? Dor de um país inteiro, agora em luto pelas vidas ceifadas tão imaturamente da existência.

Quantas incógnitas também cabem dentro de uma mente, perturbada em si mesma?
O massacre dos jovens em Realengo nos traz novamente à tona, muitas questões, antes deixadas de lado em nossa sociedade. A questão do desarmamento da população, as escolas e sua vulnerabilidade perante a violência que não tem nome, classe social, raça ou credo. A violência repetida contra as mulheres, escolhidas a dedo pelo esquizóide assassino. E aos sobreviventes? Que traumas ou rupturas o massacre os trarão? Essa tal de bullying? Palavra recente para fatos tardios. Qual a criança que nunca sofreu com isso? E até que ponto um simples bullying desencadeia reações inesperadas anti-convencionismos? E a questão da segurança pública e seus interesses adversos?

A voz embargada da Presidenta ontem, o desespero das famílias inteiras sobre seus filhos, a imprensa e sua super exploração dos fatos, além das verdades derramadas sobre as vidas feridas e dilaceradas em plena sala de aula.

Em meio à adrenalina dos acontecimentos, questões camufladas pelo tempo vão ficar sem respostas. Mas há que repensarmos juntos, que país deixaremos para as nossas crianças? Todas elas vítimas de um, igualmente, vitimado pela sua própria loucura e vitimando por ela também.

Aqui, fica a dor televisionada e a solidariedade às famílias e aos sobreviventes dessa tragédia nacional.

Em prece, silencio em nome da todas as crianças e jovens ainda vivos nas muitas escolas espalhadas pelo Brasil, em memória aos mortos educacionais.

Eliz Pessoa

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Insinuação



Foto tirada da Galeria de Patrícia Carmo (internet)

Depois que voltei de viagem, uma pena invadiu meu sistema, confundindo as sensações menos remotas daqui de dentro. Meu mundo rodopiou e as coisas que antes faziam sentido, perderam-se num piscar de olhos descuidados. A cidade de antes, as pessoas, relações, a segurança e outras palavras. Mutuamente meu mundo de dentro não ouvia mais os sons com os quais me identificasse e as pessoas em minha volta, perceberam o extraviou. Nessa correria, entendi que o tempo escorre sutilmente de nossas vidas e por essa razão é que não me cabe mais podar-me cotidianamente, como se eu não existisse em mim. Meu lugar de trabalho não é mais na coxia, do contrário, está no mundo, nas outras pessoas e arquiteta na artimanha das coisas. É pra fora que o Sol me alcança por inteiro, sem piedade de minhas retinas. Se houver o nascimento de um texto é para levá-lo além do sossego de meus cadernos. Meu sorriso deve exibir-se para além da imagem refletida no espelho lá de casa, livre para outras faces. Não há mais espaços para boicotes pessoais. O mundo é minha morada e nele meu palco se abre inteiro. Entrego-me as viagens desta vida e insinuo atrevidamente ao tempo que me espera, sem receios, sem obstáculos àquilo que me alimenta.

E assim a existência que me experimenta agora, se fará inteiramente feliz na absoluta certeza de que todo o processo “sevaleudeapena” sem pena de nós.

eliz pessoa

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Salvador, Bahia






Pelas ladeiras do Pelourinho, em pleno processo resgatado pelas madrugadas, mendigos dormem sobre as calçadas das igrejas antigas, meninos de rua cheirando cola e acetona, procurando por crack e perambulando em paralelepípedos históricos.

A primeira impressão percebida vem da curiosidade e dos apelos ao desconhecido. Um universo que se repete novamente: mendicância, pobreza e verdades de um mesmo Brasil arrematado por si mesmo.

Na pele a umidade típica de cidades praianas e a nítida sensação do tamanho de Salvador. Gigante a cidade se ergue sobre meus olhos na experiência do estar aqui.
O povo esbanja um “q” de orgulho por sua baianidade, como se dissessem: “ópaí que eu seu baiano”, alargando a face para um “Sorria minha linda, você está na Bahia!”. De imediato, a sensação de um pensamento sorrateiro em voltar outras vezes.

A Yolanda escondida na mochila e a cidade calada sem o descuido das palavras.
Pela manhã o sotaque cantarolado do baiano dá o tom da conversa. Café da manhã reforçado, depois ladeiras, ladeiras e mais ladeiras. Deve ser por isso que dizem que o baiano é preguiçoso. Depois, transporte coletivo e o restante da cidade.

Facilmente se tropeça em igrejas. Arcaicas, banhadas ou não a ouro, dilacerada pela cúspide dos anos e carregada de uma religiosidade cercada de sincretismo, com seus santos pesando sobre as idéias confusas que nos impuseram do pecado e do pecador. A maioria delas, esquecidas no tempo. Poucas delas em processo restauração, o que deixa entender que foram também ignoradas pelas instituições que deveriam cuidar desse patrimônio.

Por aqui os encantos são traiçoeiros... Moedas, centavos são cobiçados por vendedores, pedintes, ciganas (ai delas...) e outros indivíduos locais. Na tentativa de tratá-los com simpatia, sem me tornar indelicada, abri um sorriso no rosto, mas a firmeza na resposta nessas horas é mais que necessária, senão acabamos rodando a baiana. Fitas amarelas, verdes, azuis, vermelhas oferecidas largamente como quem deseja enfiá-las “goela abaixo”.

Fotos, flash e rascunhos. Turistas de todos os cantos do mundo movimentam a economia de uma Salvador ainda fascinante, confusa, malandra e ávida por todos eles.
Cercada de negritude, surgem os estilos e cabelos rastafári, dreadloock, tranças coloridas e idéias que se desenrolam nos grafites, gravuras, desenhos de um povo que se conta dia a dia em seus gestos sensuais, na fala afoita, na conscientização da raça, nos gestos e sons dos tambores do Olodum ou nos afoxés dos blocos de um carnaval que eu não vi passar, mas que já imagino através de sensações abrasileiradas.

O tempo nesta cidade transcorre momentamente sobre o vazio das horas que parecem não existir. Até parece que alguma coisa salva-a-dor da gente, pelo o menos por enquanto. Entre a metamorfose dos dias e noites, o barulho dos copos preenchidos de cerveja e conversas soltas na audição das palavras ditas simultaneamente, depois suas praias urbanizadas, estreitas em faixa de areia, onde o mar dá o ar da graça sobre o muro de pedras, que tenta ingenuamente conter o avanço das águas. E quando as ondas invadem as calçadas molhando de gente, um baiano anuncia a frase: “Êita que o mar hoje está é bom... ta jogando até sereia pra fora.”

Na Bahia o deboche rola solto, a paquera evidencia-se nos olhares que se cruzam intensamente entre as pessoas. Brasileiros de todas as partes do país, gringos do todos os cantos dos continentes e uma alegoria guardada para o dia seguinte.

Igreja do Bonfim, sensações dilaceradas, fitas amarradas em três nós na portaria das escadarias e na praça central, benzedeiros do candomblé e umbanda se oferecem em troca de algum dinheiro. Muito obrigado mais uma vez.

Alguns Don Juan cercam as gringas de palavras gastas em Português. Sensuais, cortejam suas moçoilas e levam seu dinheiro embora.
Assaltados ficamos todos, diante dos fatos carregados de ações brasileiras.

Cachorros, gatos, bombas soltos, livre em tempos de vira-latas, dividem democraticamente a praças públicas com moradores das ruas.

No sobe e desce de ladeiras, as idéias se confundem com as sensações da gente, como se o mundo se apresentasse sobre nossos olhos e curvasse aos nossos pés.

A Bahia me deu a sensação de que o melhor lugar do mundo é aqui e agora, dentro da gente.

Axé!

Eliz Pessoa

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Minas Gerais

Tenho uma forte ligação com Minas Gerais. Desde muito cedo, a influência dos mineiros e das minas me foi marcada na base de minha educação. Minas, até hoje, mexe muito com meus sentimentos. O ir e vir em suas estradas, a paisagem de suas montanhas e roças, a mudanças da vegetação, a vastidão de suas terras, sua história, seus músicos, Milton Nascimento, Ronaldo Bastos, Beto Guedes, Lo Borges e a lembrança em vinil que preenchia a estande da sala de casa.
Juiz de Fora mais cedo, BH mais tarde, Ouro Preto em meio ao caminho. Vó adotiva, mãe adotiva, corações mineiros, comida mineira, vontades de dentro, Minas de abundâncias...
Cores que se confundem com o Brasil. Frutas, legumes, verduras, preços que sobem, chegando a custar “os olhos da cara”. Alimentação inflacionada, pedido de ajuda, movimento, supermercados, àquele conhecido frio dos produtos congelados, tudo à venda, à mostra, apelações aos sentidos, utensílios que fogem a previsão da lista. Opções infindas. Vinho, nacional ou importado? Quem se importa com isso?

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Titubeando


Fonte da foto: Olhares.com

Em meio a uma voz que se conta sem cansaço e ainda não se importando se é ouvida, a quietude de meu silêncio me completa no absurdo da madrugada. No decorrer de tudo, a parede é escondida por desenhos de giz de cera, importância indiana, outras possibilidades, controle das contas de um novo ano, promessas de quitação, fotografias sobre a luz-branca de um abajur vermelho. Todos esses detalhes resgatam lembranças de antigos rituais da infância.

Sobre a cama ainda amassada, a gata igualmente branca de olhos salientados, observa de cima o movimento do quarto, quando um quarto do que sinto é canção na harmonia de um violão brasileiro. No decorrer das informações, os livros guardam suas palavras sobre as prateleiras da estante de madeira. Mas o fato é que “ela não sabe, quanta tristeza cabe numa solidão.” Ela não pensa em nada disso e adormece de boca aberta, como quem se aprofunda nos mistérios absurdos do sono, enquanto penso em quantos sonhos caberiam nesse instante.

Por aqui resolvo retornar pelas formas de outras palavras que ainda não sei usar e sem mais enganos, me esqueço de invalidar as coisas.
Já é bem tarde em meu coração.

Em itálico: trecho da canção Tristeza e Solidão de Vinícius de Moraes.

eliz pessoa

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011


A gente se esconde de tudo.
Esconde-se do medo
Esconde-se do medo, na gente
Se esconda da gente, no medo

A gente se esconde e se engana
E se desengana em seguida
A gente na gente
Bem dentro da gente
A gente se esconde e se esquiva
Esconde-se e se equilibra
A gente se esconde e dança
Num quarto vazio sem sobremesa

A gente se esconde no espelho
E se olha diferente
A gente da passiva
A gente na ativa se esconde de tudo de novo
A se desintegra em seguida
A gente não sabe de nada
A gente até tenta e arrisca uma palavra nova
A gente fica velho e compreende o tempo da gente.
A gente perde tanto tempo...

eliz pessoa