quinta-feira, 22 de abril de 2010

BRAS-ILHA







Toda a vez que falam mal dela, eu me ofendo, pois é como se estivessem falando de mim, de um pedaço que me cabe tão bem.

Assim com eu, a cidade foi semeada no interior do país, nas entranhas do Cerrado, bem nas terras goianas, nascendo de uma vontade futurista, beirando ao delírio de um mineiro escondido nas montanhas e ao questionamento de um goiano de Jataí.

Primeiro foi a indagação, depois a idéia foi semeada e repensada pela cabeça do mineiro, até então, ainda não Presidente da República. Soma-se a busca dos nordestinos por condições melhores de trabalho, temperada pela militância carioca, esses ingredientes deram sinais da vocação que a cidade teria para receber o Brasil em seu seio. Bem por isso é que hoje ela se tornou a capital de todos os brasileiros. Aqui, todas as culturas encontram-se harmoniosamente, convivendo com todos os sotaques e sonoridades dessa “Amálgama Brasil”, como diria Jorge Mautner.

Por aqui, a cuia dos militares gaúchos sentados no gramado da doze norte, em tardes de domingo reunidos em volta do chimarrão ou pelos nordestinos e seu forró e feiras na vastidão da Ceilândia e nas rodas de samba da Aruc no Cruzeiro com ritmo do carioca, ainda pelo desconfiado jeitinho mineiro sobre si e sobre o mundo que o circunda, ao mesmo tempo em que cheio de curiosidade e de amizades acolhedoras. Depois vem a suposta rixa entre goianos x brasilienses. Pura bobagem. Somos sim, goianos elevados ao quadrado.

Como filha de nordestinos, criada por mineiros e nascida na nova capital, encontro-me nessa miscigenação abrasileirada. Depois dessa síntese, vieram os paulistas, nortistas, sulistas, anarquistas, partidários, solidário, gente de todos os stilos e perfis, atraídos pelo o serviço público e pela alta qualidade de vida experimentada aqui. E como não se lembrar do céu mais bonito, distribuídos em 180º de múltiplas cores, que em época da seca exibe o pôr-do-sol ainda mais exuberante.

Capital da música, da arquitetura de Niemeyer que fizeram desta cidade uma grande obra de arte e Patrimônio Histórico da Humanidade. Sem grandes transtornos, podemos dizer que somos sim caipiras e modernos, transitamos sempre entre esses dois pólos, entra tantas verdades dessa “ilha da fantasia”, concretizada em suas satélites, que dão vida as outras faces da cidade, menos fantasiosas quanto a realidade.

A que se ver ao menos uma única vez a cidade de cima, com ares de virginiana. Ledo engano! Brasília é taurina, quase ariana, não fosse a diferença de um único dia. Portanto, ligada a beleza, a terra, ou ainda, pela teimosia em seu destino.
Dizem que por aqui não temos esquinas, mais encontros, portanto há que se andar na linha.

Pra quem a enxerga de fora, pode simplificá-la como a cidade da corrupção. Pecado fatal, assim como pensar que São Paulo só tem asfalto, poluição e congestionamentos, ou enxergar o Rio como só violência, tráfico de drogas, samba e novela, estereótipos que servem para limitar e reprimir toda a expressão de qualquer lugar.

Brasília não é só a concretização de um sonho, é também o espelho de outros problemas: crescimento desordenado, excesso de ações burocratizadas. Por aqui a “dita” ainda é dura, basta observar as ações repressoras da PM’s sobre os universitários, protestando em ações efetivas contra as arbitrariedades governamentais. Descem seus cassetetes e pauladas a mando de autoridades. Mas como eu também não nasci pra Coronel...

Por essas e tantas é que no seu dia, eu sua filha de sangue, agradeço-lhe por tê-la entranhada minha história, por ter me seduzido em sua poesia concreta de possibilidades.

BRAS-ILHA

eliz pessoa

segunda-feira, 12 de abril de 2010

DILÚVIOS E LÁGRIMAS SOBRE O RIO



A chuva veio, dilacerando a terra já fragilizada pelo o escarro dos lixos, dos restos humanos. Lavou tudo, sua gente e levou consigo a história dessas pessoas. Em meio ao caos das notícias assistidas dentro de minha casa, como num filme, toda a tragédia exibida da cidade de encantos mil.

A natureza vem derramando toda a sua indignação, suas lágrimas sobre todos nós.
O fato é que a tragédia acomete mais visceralmente as populações menos privilegiadas. Foi assim em Santa Catarina, São Paulo e agora é assim no Rio.
Então nos perguntamos: o que está acontecendo com a natureza? E nos... Todos nós sabemos a resposta de toda essa rebeldia. Somos nós que estamos alimentando esse processo de enchentes, tragédias e tristezas que estão tomando conta das cidades e de nossas cabeças, toda a vez que o céu escurece um pouco mais que o normal. Aliados ao descaso do poder público em relação às favelas e suas áreas de risco. Estupidamente nossos políticos ainda recebem as vaias das populações, que não só perderam suas casas, mas muitas vezes, membros de suas famílias, justificando as tais vaias como se essas vias fossem reações de inimigos políticos.

Não, Senhor Governador do Rio! Desta vez as vaias de protestos não são políticas, vão muito, além disso. São desabafos de uma população que representa muitas outras desgraças. A culpa é de todos e podemos distribuí-las entre nós, que ficamos em nossas casas protegidas, assim como com àqueles que sentiram na pele e também dos representantes que escolhidos por nós.

Estamos indiferentes a tanta tragédia, pois ainda há descaso com o lixo, jogado aleatoriamente em qualquer lugar, de qualquer jeito. Somos nós os responsáveis pela falta de cuidado com nossos movimentos fora de nossas casas. Mas uma vez esses dilúvios nos provam que a globalização dos problemas também veio com as águas de março, abril e maio. Que somos sim parte de um grupo, que só funcionará quando o problema do outro também for o nosso, assim como a dor do outro também faz parte da nossa, que todos os males feitos aos outros, são males realizados sobre nós mesmos. Esta é a tradução ao caos instalado nas grandes e pequenas cidades. Ninguém, sem exceção à regra, ficará impune as reações da natureza. Não haverá ricos ou pobres, mas sim, ricos e pobres. A prova disso vem de São Paulo, a cidade mais rica do Brasil, o centro dos grandes negócios de nosso país. Todos nos ainda lembramos Sampa sobre os rios alagados, poluídos e repletos de lixo, invadindo as principais avenidas, além dos carros afogados nas ruas alagadas, das pessoas segurando-se em qualquer pedaço fixo ao caminho das águas. Se hoje o Rio chora, nos todos também choramos e torcemos para que nenhuma vida se perca após os fatos e que alguma mudança se faz necessário em nossas cabeças, em especial, sobre nossas ações cotidianas.

Estamos nos tornando um câncer em nosso próprio sistema, mas ainda há tratamento para todo caos. Assim acredito.

eliz pessoa