terça-feira, 13 de maio de 2008

Verso

Foto: Ricardo Costa

É o verso, reverso de tudo.
É ele mesmo que segue invertendo a ordem inversa das roupas,
do fim ao início do texto,
da frase,
da ânsia em saber o final da história,
atropelando o meio fio, engolindo a nota.

É o ritmo que inspira o rebolado da moça,
desenquadra um pensamento e o liberta nas ondas do som.

É a perspectiva que desembaraça,
descruza,
desata os medos,
apelos de nós.

É a infinitude do agora vivido,
o improvável,
o não concretizado no curto espaço tempo entre o ontem e o amanhã.

É o ato, quando nele se encontra o laço.
É a surpresa que reside um presente.
É a música de um violão inquieto,
traiçoeiro por não saber a mesmice dos dedos,
que cintila a alma do músico.

É a métrica, quebrando verbo – início de tudo.
É o tudo, onde não há nada.
É de nada, a nata do homem.


É o não ser.
É quando não há.
É o findar descalçado de pés derradeiros.
É e não é, o limiar das palavras rasgadas nos versos do lixo.


eliz pessoa

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Re-cordare

Foto: Mariah

Porque quando pisei os pés sobre as miudesas de sua morada, um silêncio me colocou em mim. Sem a sua presença irônica, nas manhãs de todos os dias, alguma coisa se perdeu aqui.

E por um instante um eco se fez ouvido nas quinas, esquinas de seu quarto, e a cama não me convidou para ali me deitar e brincar de coisas escondidas.

Porque quando te deixei ali, me esqueci do verso e me perdi na linha.

Depois tentei inventar um café, cortar outra fatia do bolo, e embora os ritos fossem arriscados sobre a mesa coberta de toalha vermelha, nem assim alguma magia se fez presente, apenas a quietude do lugar, a vastidão da lembrança e um texto digitado em tela de computador.

Resisti ao medo do medo, trancada dentro dos quadros do apartamento de janelas fechadas, onde cortinas escondiam os segregos dos vizinhos e a voz Sosa de uma Mercedes vestiu-se de companhia.

Depois de tudo arrisquei outros medos, do espaço, da saudade, da distância do terreno lá fora, da árvore erguida sobre o nada, do rasgo no peito, das nuances da vida, das travessas e do caminho.

Embora não tenha sabido um dia, mas você nunca me tirou o fôlego, não me fez perder o juízo, o tato com o texto, nunca me pos desvairada no caminho, nem mesmo ardendo em dores de febres astrais, nada de desesperos, de cenas descompassadas, nada disso em mim. Nem ao menos te idealizei um dia, não te imaginei em minhas mentiras mais assanhadas, nem desenhei tua face nas verdades mais escondidas.

E por isso mesmo que és muito de minha paz.
Minha criança vive do seu lado e brinca com o menino do seu coração, como se o tempo fosse nossa grande diversão, ainda que saibamos o quanto ele nos custa.

E foi no silêncio que você me encontrou sem dizer nada, e disse tudo.

eliz

domingo, 4 de maio de 2008

(Foto: Pedro Monteiro)

Bem, resolvi lhe escrever para contar coisas sobre você.
Eu sei, eu sei como anda se sentindo em relação a você mesmo, mas de qualquer forma você vai viver e morrer se sentindo muito... Ainda não há outra maneira de estar em si.

Por hora haverá muitos outras contradições, alguma falhas, outros acertos, muitos medos (e há também quem diga que não tem medo de nada). Eu duvido, contesto e bato de frente! Se bem que, para quem acredita em muita coisa que não vê e acaba duvindando de tudo que enxerga, poderia crer em alguém que não tem medo de nada.

Quanto ao mundo, ele é como é, e algumas coisas podem modificar o percurso, basta insistir. Mas você não tem jeito, fica nessa de repetir ações caducas, continua ignorando a língua, não se interessa em se incomodar com ela, persisti no erro da mesma e ainda diz por aí que deseja entendê-la com profundida. Coisa que também duvido.

Dúvido sim! Porque não há vontade quando não há mudança. Daquelas que se tornam práticas diárias, vistas e percebidas em volta.

É como ouço muito por aí, gente que enche a boca pra dizer que tem consciência da questão do lixo, do trânsito, etc., e tal, mas que não muda a ação prática em relação a essas coisas não são conscientes de nada, não passam de uns lorotas, agem com inconsciência. Porque estado de consciência é algo que se reflete nas ações cotidianas e começa no íntimo.

O problema ao meu ver é que confudem consciência com informação. O sujeito pode ser bem informado quanto a uma questão, mas só será consciente dela quando modificar sua ação prática em relação a mesma.

Agora voltando, tenho te notado ultimamente muito televisiva, meio hipnotizada pela imagem do monitor. Ainda bem que por outro lado, você tem algumas escolhas (ao meu ver) interessantes quanto ao que resolve assistir. Mas o que está te atrapalhando muito, é falta de foco. Por exemplo, você ama ler, ama os livros, as hitórias de vida dos escritores, os poemas, as frases e tudo que se refere a literatura, pricipalmente latina-americana, mas é só esbarrar no meio do livro que muda o foco, distraindo-se com outras coisas. Concluir que é bom... nada.

Não adianta ficar nessa de enganar-se querendo ler, três, quatro livros simultâneamente.
Você não dá conta, e nem tem tempo para fazer isso com maestria. Então pare e resolva de uma vez por outra, ler um livro de cada vez. Simples assim, como se aprende quando criança.

Engolir uma idéia, só vai te fazer bem, se for vagarosamente mastigada antes da colocada para dentro. É preciso curtir as coisas, como cachaça boa. Senão nunca vai conseguir cuspir nada de qualidade. (Cuidado com isso!)

Quanto a tv, não acredite em tudo que vê, ouve ou contam. Há que se aprender a discernir muito bem uma intenção da outra, coisa que a sua escola e a dos outros não ensina.

Você precisa galgar com vontade um caminho novo, árduo, que exigirá muito disciplina, muita leitura de diversos assuntos, muito cuidado com a manifestação das palavras. Aprender como colocá-las em mesa, em papel, em esquinas e acima de tudo, amá-las e perdoá-las também porque elas não são fáceis de lidar. Por isso esse tal de amor e vontade de aprender com elas. Sem esses dois substantivos a planta não cresce.

O que estou a dizer não é bem uma receita de bolo, até porque se fosse patentearia a receita e ganharia dinheiro com ela, mas como você resolveu (lembra que me disse isso de maneira bem clara?) que o seu foco agora é cuidar do que elas dizem e não proferí-las para ferir alguma coisa, ou alguém, mas sobretudo construir-se com elas, crescer e compreendê-las em essência, parágrafo por parágrafo, linha por linha, caso por caso, então lute por esses “detalhes não tão pequenos de nós dois”.

Se você resolver desistir dessa peregrinação, terá perdido o princípio primordial do, pagar para ver no que dá. Agora, se passar dessa decisão e seguir a frente, terá vencido a primeira estrofe.

Saiba que não tenho que acreditar no que você diz, muito menos duvidar. Não cabe a mim tanta ousadia, nem recitar concertos, muito menos sensibilizar com poesia. Não cabe a mim nada do que lhe é caminho. Essa é uma escolha sua. Mas como a gente convive muito, o que fica do eu para o tu, é a certeza de que torço pelas suas escolhas, e o mundo é apenas um reflexo nosso, e se realmente for consciente haverá prática, e havendo prática trará vida.

pessoa