terça-feira, 28 de maio de 2013

Fim da Malandragem


                                                                        (Foto de Andy Prokh)


E se for poesia o que sobra na gente?

É preciso extraí-la da língua e da carne.

Arrancá-la à força do cotidiano, do apego e do afago.

Se for ela essa coisa inteiriça: sutil mente.

E ser for esse sereno da noite indicando o fim da malandragem?



elizpessoa

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Por um minuto de silêncio



                              (Fonte da Imagem: http://artisticagiu.arteblog.com.br/r31751/Desenhos/)



Acordar, lidar comigo e com as inquietações desnecessárias da noite que passou e passar também.  Era pra dormir até mais tarde, para consumir o tempo da manhã de domingo sem pensar em muita coisa. Mas não deu. Acordei cedo demais por conta de um som de rave martelando nos ouvidos enquanto a madrugada se estendia.

Aí a gente levanta cedo, toma um café sem graça, um banho libertador e consegue assim sentir a energia renovada do dia. Depois se deleita escutando música de vários estilos e se perde ouvindo alguns jogos de vozes que não consegue alcançar, diga-se: ainda. Exercito os olhos nas letras em Inglês para tentar abrir os ouvidos para este novo universo.

Sei lá. Nem sempre é fácil manter o humor diante de si mesmo e de expectativas que lançamos sobre a vida. Por essa mesma razão é que freio minhas insatisfações, e tento desmontar o cabeçalho de um expectador.
Nunca gostei de impor a minha soberania (se é que ela existe) sobre as pessoas, e neste ano, mais que antes, exercitei o entendimento sobre essa democracia, esse estado laico, que nos permite, não com tanta expansão, que sejamos livres para pensarmos. Não é por que eu penso assim, que os outros não tenham o direito de pensar assado. Pessoas pensam e pronto. Algumas não se permitem nem isso, ou pensam com o pensamento dos grandes meios de comunicação. Mas até essas, tem esse “direito”, se assim posso dizer.

O que ainda estou querendo dizer, é que você pode pensar o que bem entender sobre mim, sobre o mundo, isso não importa de fato, por que somente eu sei de mim. Por exemplo: sujeito chega para fulana e fala que ela é gorda demais e que tinha que fazer algo para emagrecer. Ok, ok! Essa é a opinião do outro, que esta exercendo o direito de ter uma opinião, ainda que banal. Agora estar ou ser gorda demais é um problema único e exclusivo da moça. Se for incomodar alguém, que seja a ela mesma. Se for para mudar, será por que ela assim o deseja. Senão a gente cai naquela mesmice dos estereótipos e conceitos do olhar que a sociedade lança sobre o comum. O problema nisso tudo é que a gente acaba utilizando o que fizeram com a gente, nos outros e assim seguimos nos repetindo sem um pingo de razão que justifique nossas atitudes.

Ando assim, repensando cada ação, cada prática diária, e ainda assim errando muito.

Outro dia, pegando carona com dois amigos, fiquei no meio de um fogo cruzado entre os dois. Briga besta, sem importância. Como reagi? Reagi no vazio. Calei-me, como se não estivesse dentro do carro, por que foi assim que me trataram, como seu eu não estivesse ali, ou pior, fosse o público daquela discussão infundada. Ou corrigindo, foi assim que eu mês senti em relação aquilo. Nem acho que me trataram assim de fato, por que estavam tão envolvidos em discutir com eram os donos da razão. Calada estive calada saí do carro. E no silêncio dessa ação, percebi que não havia um ponto de equilíbrio naquela briga, e que se alguém em algum momento teve a razão, quando a discussão virou o foco, perdeu a tal. Por isso quem tem horas que é melhor deixar “que digam que pensem que falem”. As pessoas estão aqui pra interagir, trocar e acima de tudo expressarem-se, embora eu preferisse aprender um pouco mais sobre o silêncio, virar aquela melhor ouvinte que alguém poderia ter, sem ser a psicóloga, sem ficar julgando, sem ter a receita de bolo para o problema do outro. Mas resolveria assim, muitos problemas meus: ouvindo, ouvindo e ouvindo sempre, até cansar.



elizpessoa

quarta-feira, 15 de maio de 2013

UTP's



                                                                 (Fonte do desenho: Google Imagens)


UTP’s atravessam as cidades dentro de uma lata, do tipo sardinha, exprimidos e mal cheirosos. A(s) cidade(s) no plural, por que aqui normalmente não se circula em uma única e específica, mas entre elas: Sobradinho-Plano Piloto, Taguatinga-Plano Piloto, Riacho Fundo-Plano Piloto, etc. - Plano Piloto, tudo em gira em volta desse tal Plano Piloto.

Geralmente leva o som aos ouvidos, por meio de celular, mp3 e outros artefatos existentes, quando não compartilha as músicas com os outros utp’s, sentados no banco ao lado. Uma espécie de técnica para não pirar enquanto não chega ao seu destino.

O sonho de grande parte dos utp’s é um dia ter o seu próprio carro. Uma espécie de vingança ao sistema, por ter passado tanto tempo de sua vida indo e vindo, sufocado e maltratado pelo sistema de transporte público brasileiro. Vingança consumada em ser mais um a entupir as vias públicas das cidades, só que desta vez dentro de um automóvel, de um engarrafamento, ao lado de um coletivo lotado de gente comum, como ele foi um dia, passado distante (graças a Deus) e às trinta e seis parcelas pagas com muito suor em longos três eternos anos.

Esses utp’sacostumaram-se com quase tudo: com as altas passagens de ônibus, metrôs e trens lotados, greves sem anúncio de segunda-feira, aquelas mesmas que nunca beneficiaram o contribuinte do sistema de transporte. Nem este, nem aos funcionários desse mesmo sistema. Paralisações que beneficiam os senhores do negócio, daquelas do tipo Wagner Canhedo e outros tão iguais quanto.

UTP’s não são vítimas, não são culpados e nem nobres, pois para ser nobre nesse sistema, faz-se necessário um carro, quando todos ou grande parte dos problemas dos utp’s serão sanados.
Quando os utp’s realizarem o sonho do carro próprio, seus problemas serão outros, como: os altos valores cobrados com combustível, taxas de IPVA, seguro e outros detalhes não menos importantes. Apenas num mesmo ponto os problemas serão os mesmos de antes do carro: o(s) engarrafamento(s).

O que os utp’s desconhecem, é que no Brasil o carro é luxo, embora qualquer um possa ter o seu hoje. Enquanto na Europa, carro é a última opção de transporte dentre outras possibilidades. Lá o chique é andar de transporte público eficiente, deixar o carro na garagem. Mas só é chique por que funciona.

A grande esperança para os utp’s seria com a chegada da Copa do Mundo ao Brasil. Este evento resolveria o problema a curto, médio e longo prazo. Mas na real, não resolveu nada. E por essa razão o sonho volta ser o carro, único, individual e SEU.

Ah UTP’s! Um dia você terá seu carro, acredite! Só não terá mais espaço para enfiá-lo neste mundo tão congestionado de si mesmo.


*UTP’s: Usuários de Transporte Público

elizpessoa

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Curtição


Era pra ser simples, sem muito olhar para alguma coisa por dentro e descobrir ali, algum talento nato ao indivíduo. Mas quem disse que o simples estaria próximo do fácil? Não estava.

Tentando diferente foi preciso arriscar os ouvidos em primeira instância, permitindo que falassem o que quisessem, sem censura e com certo incomodo, algo natural. Mas ela já havia aprendido a permitir a fala alheia, a opinião de fora, até por que aprendeu, que cada um tinha o direito de achar o que quiser, como bem fosse. Cabeça foi feita pra pensar livremente. Nem todos se permitiam assim. Não que isso fosse um mérito dela, considerava apenas mais um exercício, dentro tantos... Mas descobriu que um pouquinho de seu espaço, por mais livre acesso permitido, aquele cantinho era somente dela, e encontrou em si mesma uma barreira e pediu um púlpito onde pudesse subir e dizer: Eu protesto! Não aceito que me atropelem que passem por cima de mim, seja lá você quem for!

Por um instante achou que confundiam sua simpatia com liberdade para agirem com quisessem. Mas não era assim, ou ao menos não era assim que ela desejava a partir dali.

Aos poucos foi encontrando algumas fronteiras que ela até então, desconhecia em sua existência. Ela também tinha suas chatices, por mais bacana que fosse. Todos têm.

Frente a si mesma, encontrou também um pouco de permissividade, do tipo: a não, não é bem assim! Mas tudo bem. Não estava tudo bem e jamais ficaria se não desse um basta em certas passagens.

Deixou rolar um Elton John, e nem era dada a esse tipo de curtição. Assim o fez para começar a tentar com outra trilha sonora, e foi depurando aquela sonoridade, enquanto seus dedos freneticamente sapateavam sobre o teclado do computador. Sabia que a música tinha esse poder de levá-la longe, como se realmente pudesse viajar por aquele céu todo estrelado daquele dia que havia sido ensolarado. Até acreditava que isso era bem mais que possível, mas não era assunto para se jogar em mesa com panos limpos, puros demais para essa aventura. Apenas o fato de imaginar-se voando pela janela de seu quarto, enchendo os pulmões de ar e indo liberta, alto, dando rodopios com o corpo sobre o olhar atento das estrelas... só isso já lhe trazia uma sensação tão absurda, que pensou por um instante nesse existir. Como era bom pensar, e pensar solto, fazendo coisas que a cabeça das crianças arrisca sem medos, só isso, era o máximo, o ponto final.

Realmente não era pra ser fácil, mas espontâneo como a canção que se dá por hora.


elizpessoa

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Esse José Ribeiro Ribamar...



                                                                           (Foto: Google Imagens) 


Ele é do Ceará, especificamente de Santa Quitéria. Sonhava em conhecer o mundo, e um belo dia, chegou para seu pai e disse:

- Pai? Vou conhecer o mundão todo, pegar um ônibus e descer para Brasília. O pai, um tanto desconfiado, ouviu atento sem dizer uma só palavra.

Quando estava saindo de Santa Quitéria, José, que agora prefiro chamar de Zé, foi logo pegando sua única mala, aquela de couro curtido do sertão, e seguiu rumo ao seu novo destino. Quando estava saindo, uma senhora o chamou dizendo:

- José!? Cê vai pra Brasília, eu soube. Então, pode fazer um favorzinho pra mim? Levar esse queijo para o meu menino em Brasília. Melhor, levar o queijo e essa cartinha.

Zé olhou, pegou o queijo e prometeu que assim o faria.

Quatro longos dias o afastavam de Brasília. Estrada longa, seca, suor e sertão eram seus companheiros do caminho.

Bem, um dia Zé, finalmente chegou a capital do Brasil, Brasília, nome bonito de se escrever. Na época, a rodoviária do Plano Piloto era a chegada de todo mundo. Por ali chegavam brasileiros de todos os cantos do país em busca de um sonho. Ele também.

Assim que pisou seus pés no Planalto Central, encontrou um conterrâneo que lhe disse:

- O moço veio trabalhar aqui? Tem onde ficar?
Zé respondeu:

- Ué, vim porque queria conhecer o mundo. Não tenho onde ficar. Nem pensei nisso.
Mas peraí! Tenho uma lembrança que me pediram pra trazer para alguém daqui. Deixa-me ver... Achei. Esse queijo e essa carta.

Mas Zé era analfabeto de pai e mãe, não tinha como entender a cartinha. Então o taxista leu-a e disse:

- Ah, é fácil! Você só precisa subir a escada “volante”, pegar o Eixão e andar um pouquinho e vai vendo placas pelo caminho indicando a quadra 204 sul. É pra lá que aponta o endereço da carta.
- Moço, o eixo que eu conheço é só o da minha bicicleta veia do Ceará, e essa tal de escada “volante” nunca vi não!

- É... logo vê que tu é da terrinha.

Eram meados de janeiro às 22h00, dia 12 do ano de 1973. Brasília era quase outro sertão de terras avermelhadas e vazias, um frio incalculável para um cearense. Uma vastidão de céu, uma imensidão de horizontes, tudo muito longe da pequena Santa Quitéria, agora distante.

O moço era taxista e se ofereceu pra levar Zé, sem cobrar nada por isso, até o endereço da carta do queijo. E lá se foram os dois.

Chegando lá, despediu
-se, Zé agradeceu a gentileza e seguiu. O bloco era o H das 204 sul, na portaria do local. Teria que procurar por dois Antônios, primos entre si.

O primeiro Antônio tinha uma costeleta da moda, cabelo meio comprido, recém casado. Ele o recebeu em seu apartamento. Trabalhava como corretor de imóveis. Convidou Zé pra comer uma jantinha feita na hora. Conversaram, enquanto o outro Antônio, esse sim Toinhio não chegava da escola. Mas Toinho chegou, ficou feliz com a presença do Zé do Ceará, da carta do queijo. Pediu pra ele “bater” uma viola. Zé a pegou, a bicha tava mais desafinada que cearense com fome. Afinou-a e tocaram noite à dentro como se o outro dia não existisse. Passaram os três...oito dias jogando conversa fora e tocando violão, depois mais oito meses até que Zé arrumasse um emprego de servente lá mesmo na 204 sul. De lá pra cá, lá se vão 40 anos de duas Brasílias, umas perdida na boa memória do Zé e a outra reconhecida pelo meu esquecimento.

Zé não conheceu o mundo como antes, mas Brazlândia, Plano Piloto, Taguatinga, Núcleo Bandeirante, Guará, Sobradinho, Ceilândia, Planlatina, etc, etc e tal.


elizpessoa