quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Sobre a chuva



                                                                                 (Foto: Google Imagens)



Choveu por toda a cidade e ela amanheceu úmida e indiferente.
Nublou sobre os pensamentos daqueles que amanheceram sós em si mesmo.
Outros griparam mediante os tons acinzentados lá de fora.

Não houve mais aquele sentimento confuso, disperso sobre tudo que muda.

Sobre o tempo do tempo todo.

Choveu por toda a cidade, enquanto o teclado seguia seu destino compulsivo em redigir alguma coisa sem pretexto aparente.

Uma ideia expandiu-se na cabeça do indivíduo que escrevia, e ele não sabia por que tanto exercia essa mania.

Choveu sobre a roseira de um jardim qualquer, enquanto um senhor tinha os olhos molhados pela dor e alguns guarda-chuvas resistiam bravamente à força dos ventos de Iansã.

A cidade ficou muda e lavada enquanto se vivia.

Choveu, enquanto eu dormia.


elizpessoa

terça-feira, 20 de novembro de 2012

A árvore



                                                                            (Foto: Eliz Pessoa)


O telefone tocou. Do outro lado, ela, um tanto quanto diferente do habitual, ergue a voz dizendo que uma cena de guerra instalara-se na W3 Norte. Um tanto sem acreditar na imposição de sua voz, ainda mais porque ela não é de agir assim, muito pelo contrário, sempre usa de equilíbrio e ausência de exageros para dizer algo, e por essa mesma razão foi que a levei a sério, porque ela é dada a seriedades.

Não satisfeita, me convidou para descer e ver de perto o caos. Não pude negar seu pedido e nem anular minha curiosidade. Saímos a pé, cabelos ouriçados pela natureza, calças desbotadas, óculos na cara para enxergar melhor o problema, que até então, só fora lembrado pelo vento forte na janela, pelo peso da água sobre a morada, pelas cores escuras do céu, pelo o dia que virara noite tão repentinamente e pelo estrondo de um único e sincero raio que caíra sobre alguma parte da cidade, bem perto dali.

Teria sido o raio que arrancara as árvores da avenida, ou, o vento e toda a sua intensidade resolvera mostrar provas de suas habilidades de vento?

Quando lá chegamos, ela havia sido arrancada pela raiz, levando consigo uma vida inteira de árvore, que leva um tempo para amadurecer completamente. Talvez por essa mesma razão, ela tenha se dobrado aos artifícios do vento, deixando-se render por inteira.

O fato é que venho confessar minha simpatia pelas árvores. Aprecio a generosidade delas e sempre as vi com bons olhos. Não é à toa que a revolta das árvores que se passa na história do Senhor dos Anéis tanto me agrada. Mas na vida prática, elas não podem arrancarem-se do chão e seguirem proclamando independência, pois acostumaram-se a fincar raízes, nem tão profundas assim, como no caso das que residem na W3. Nasceram sobre o elemento terra e sempre exigiram praticidade e firmeza para enfrentarem anos erguidas, lutando contra a lei da gravidade.

Ela caída fechando a avenida, os carros desviando sobre as calçadas e o formigueiro de curiosos saindo dos buracos, como ratos atrás de queijo.

Nós humanos, sempre afoitos por alguma novidade, saímos às ruas. Alguns se sentiram jornalistas do caso da árvore vencida pelas ironias do vento forte daquela chuva repentina e começaram a filmar com celular e a relatarem o caso. Outros aproveitavam para postar nas redes sociais o acontecido. Um flamenguista fez questão de posicionar-se próximo a raiz apontando para ela, enquanto outro sujeito sacava uma foto, fazendo do caos uma grande distração momentânea como quase tudo por aqui.

Logo a imprensa chegou e a notícia se espalhou junto aos curiosos.  Transformando aquela tarde de sábado numa grande atração, sem artistas, nem palco. Apenas um morto, a árvore. Somente ela, no singular em meio a tantos contra tempos.


elizpessoa

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Sobre um trago e o pensamento




Atravessou a rua sem olhar ao lado, esqueceu-se do sentido raso das coisas corriqueiras. Pensou novamente, e por um triz, o asfalto molhado sobre seus pés escondidos.

Cidade larga de horizontes estreitos. Coçou a cabeça, fingiu que não percebeu, seguiu em frente. Atropelou-se em outro pensamento, uma ideia escondida. Escutou a canção que lhe contava algo indecifrável por seus conhecimentos. Puxou um maço de cigarros do bolso da jaqueta, procurava por um alívio imediato. Ascendeu o cigarro e o tragou fundo, como quem tenta um novo suspiro sobre o vento. Olhou para o céu, para o lado. Percebeu a velocidade das pessoas em sua volta, queria esquecer tudo isso um pouco.

Tragou mais duas, três, quatro e cinco vezes repetidas. Experimentou certo alívio no entorpecimento. Engoliu a seco uma saliva passageira, sentia a garganta ressecada. Tragou novamente. Não tinha certeza de toda àquela agitação, daquele verbo. Não tinha muito tempo para resolver suas pendências, refletiu. Quem o tinha?

Era tarde de um dia repetido pela primeira vez... Outra semana, a única entre tantas unicidades. Mais era a mesma coisa, do mesmo sempre, de todo dia. Era o atalho sobre si mesmo. Tentava sem muito esforço, mudar o hábito. Diziam que vinte e um dias era o suficiente. Para quem?

Queria mesmo acordar mais cedo. Lá pelas seis da manhã, tomar um banho frio, despreocupada. Um café preto e um pão com manteiga, vestir a roupa, outra sapato e sair sem pressa para enfrentar a lida. Mas teu sono, teus sonhos, sua preguiça eram reis. Mandavam e desmandavam. Sabia que eram possíveis e plausíveis teus significados, mas também conhecia o poder de uma ação imperativa. Ela tinha que mudar tentar diferente, começando pelo sono.

Queria ler outro livro, se apaixonar por outras palavras, ainda que desconfiadas e inconfiáveis. Não havia tempo pra duvidar das coisas, não havia por que tantas interrogações. Era ela, sua cabeça e o mundo presente numa caixinha de surpresas. Se o mundo iria se acabar, ninguém sabia, nem ela. Mas pensou ironizando todas as profecias: era sim, dia vinte e um de dezembro de dois mil e doze, em plena sexta-feira, um bom dia para se celebrar numa festa, que chamaria de “Festa do Fim do Mundo”. Morreria ao menos feliz ao som de uma música, cercada de pessoas bebendo cerveja, experimentando um pouquinho de novos sorrisos.

E se, de repente, o mundo findasse ali, partiria sem menos grilos e deixaria um mundo bagunçado, se o todo poderoso assim permitisse.


eliz pessoa