Eu fui ao cinema, desta vez como monitora de um projeto denominado “Vamos ao Cinema”. Fui escalada para uma escola na estrutural, cidade satélite de Brasília, que já foi um antigo lixão a céu aberto. Mas as coisas por lá mudaram muito do lixo à cidade.
Encontrei uma linda escola, organizada e pronta para nos receber de braços abertos. Tenho que relembrar os braços, bem mais que abertos da coordenadora da escola, que infelizmente não me recordo o nome no momento.
Encontramos de cara o Isacc, aluno cadeirante, pra lá de comunicativo e com uma visão rara das coisas em sua volta. Uma entrevista feita com ele, boas respostas às perguntas da jornalista. Depois algumas fotos, um café ou água. Timidamente fomos convidados a percorrer a escola e perceber as primeiras impressões dessa experiência.
Lentamente os alunos chegam e começam a entrar no ônibus, com suas fichas em verde, amarelo e azul. Esse tipo de acontecimento é um evento numa escola pública, tanto que as muitas moças chegam à escola como se estivessem prontas para uma festa. Cabelos esticados, roupas brilhosas, meia calça, maquiagem e sapato alto. Um luxo só! Os meninos, menos despreocupados, se arrumam de qualquer maneira. Tudo certo e dentro do programado.
Já a caminho do cinema, muitas conversas gritadas no interior do veículo, olhares curiosos, e algumas explicações flertadas sobre cinema e produção de filmes. Eles respondem e interagem. Este exercício me estimula bastante, ainda que tendo que disputar com o motor do ônibus, ou com a desatenção de alguns, mas nada disso me desestimula.
Friso bem a importância do cinema brasileiro, assim com o Festival de Cinema de Brasília, que muitos desconheciam ou nunca ouviram falar. Em meio ao barulho, eu digo: “Não acredito que vocês nunca ouviram falar em Festival de Cinema de Brasília!”, quando um aluno responde coerentemente: “Tia, a gente não mora em Brasília! Moramos na estrutural, uai!” Respondo: “Mas Brasília não é só o Plano Piloto. As satélites também completam o que é Brasília. “
Percebo a acesso inexistente nas periferias a cultura do avião. Embora saiba que a periferia tem muito que contribuir culturalmente com Brasília.
Pier 21, shopping center badalado e freqüentado por pessoas com o poder aquisitivo alto. De repente, eis que surgem alunos das periferias, que invadem o shopping com sua energia, causado certo espanto para os bem afeiçoados freqüentadores do lugar. De um lado as filas de alunos, do outro as lojas, restaurantes e demais estabelecimentos comerciais.
Equipe pontual, trabalho corrido e o projeto se desenrolando dentro do previsto.
Pipocas, refrigerantes e ingressos distribuídos, correria e o filme: "Planeta dos Macacos", “Piratas do Caribe e Capitão América” em 3D, distribuídos em algumas sessões de cinema, também experimentadas em outras escolas onde nossa equipe pisou seus pés.
Após muito barulho, o filme dá início e o silêncio, quebrado apenas pelo mastigar das pipocas. Enfeitiçada a turma observa...
Nos bastidores, trabalho, trabalho e mais trabalho.
Aliás, trabalhar num projeto desses é gratificante, pela presteza dos envolvidos, pela idéia do projeto e por conhecer tantas figuras encantadoras e cheias de histórias.
Relembrando ainda lá na escola, um senhor com os seus setenta e poucos anos, nos atende com gentileza e atenção. Homem da roça, mãos marcadas pela dureza dos tempos, olhar amadurecido, e algumas histórias de uma vista já cansada e teimosa. Enxergando apenas uns 20% do total de sua visão e insistindo em não usar óculos. A coordenadora da escola contou que conseguiram o convencer a fazer o exame de vista. Ele, depois de rendido, se entregou e deixou que o levassem. Ficou grato o resto da vida a ela. De tão agradecido, todos os dias caminha horas até a escola, e sempre leva uma melancia para ela, ou qualquer fruto que a terra esbanja. Uma figura!
Em tempos de escolas públicas, personagens como o Isacc é mais que encantador. É fonte de aprendizado para quem convive com ele. Não pelo fato de sua deficiência, mas pela cabeça bem organizada no olhar à vida.
Saindo do cinema... Fileiras e muitas conversar sobre o filme. Caminho da escola. Isaac aguarda que todos desçam do ônibus e desce sozinho, sem precisar de ninguém. Na escola seu triciclo, feito por ele mesmo, o aguarda para levá-lo à sua casa. Tudo adaptado por suas mãos e cabeça. Um gênio de suas próprias necessidades. A equipe resolve acompanhá-lo, juntamente com a coordenadora. Seguimos em frente, percorrendo as vias da cidade Estrutural. Bairro silencioso nas madrugadas vazias. Histórias de periferia e uma imagem cinematográfica. Nós no carro atrás, Isacc com seu veículo cheio de personalidade e alguns pensamentos furtivos. Entregue, nos despedimos e seguimos em frente.
Aqui, fica um tempo lembrado na memória: “Isaac! Não senta no não! Vai se sujar todo! Ta tudo empoeirado. Ele responde: “Não adianta eu fugir da poeira”... “ela sempre vem atrás de mim”. É inevitável!”.
E aí, “Vamos ao Cinema?”.
eliz pessoa
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