segunda-feira, 4 de abril de 2011
Salvador, Bahia
Pelas ladeiras do Pelourinho, em pleno processo resgatado pelas madrugadas, mendigos dormem sobre as calçadas das igrejas antigas, meninos de rua cheirando cola e acetona, procurando por crack e perambulando em paralelepípedos históricos.
A primeira impressão percebida vem da curiosidade e dos apelos ao desconhecido. Um universo que se repete novamente: mendicância, pobreza e verdades de um mesmo Brasil arrematado por si mesmo.
Na pele a umidade típica de cidades praianas e a nítida sensação do tamanho de Salvador. Gigante a cidade se ergue sobre meus olhos na experiência do estar aqui.
O povo esbanja um “q” de orgulho por sua baianidade, como se dissessem: “ópaí que eu seu baiano”, alargando a face para um “Sorria minha linda, você está na Bahia!”. De imediato, a sensação de um pensamento sorrateiro em voltar outras vezes.
A Yolanda escondida na mochila e a cidade calada sem o descuido das palavras.
Pela manhã o sotaque cantarolado do baiano dá o tom da conversa. Café da manhã reforçado, depois ladeiras, ladeiras e mais ladeiras. Deve ser por isso que dizem que o baiano é preguiçoso. Depois, transporte coletivo e o restante da cidade.
Facilmente se tropeça em igrejas. Arcaicas, banhadas ou não a ouro, dilacerada pela cúspide dos anos e carregada de uma religiosidade cercada de sincretismo, com seus santos pesando sobre as idéias confusas que nos impuseram do pecado e do pecador. A maioria delas, esquecidas no tempo. Poucas delas em processo restauração, o que deixa entender que foram também ignoradas pelas instituições que deveriam cuidar desse patrimônio.
Por aqui os encantos são traiçoeiros... Moedas, centavos são cobiçados por vendedores, pedintes, ciganas (ai delas...) e outros indivíduos locais. Na tentativa de tratá-los com simpatia, sem me tornar indelicada, abri um sorriso no rosto, mas a firmeza na resposta nessas horas é mais que necessária, senão acabamos rodando a baiana. Fitas amarelas, verdes, azuis, vermelhas oferecidas largamente como quem deseja enfiá-las “goela abaixo”.
Fotos, flash e rascunhos. Turistas de todos os cantos do mundo movimentam a economia de uma Salvador ainda fascinante, confusa, malandra e ávida por todos eles.
Cercada de negritude, surgem os estilos e cabelos rastafári, dreadloock, tranças coloridas e idéias que se desenrolam nos grafites, gravuras, desenhos de um povo que se conta dia a dia em seus gestos sensuais, na fala afoita, na conscientização da raça, nos gestos e sons dos tambores do Olodum ou nos afoxés dos blocos de um carnaval que eu não vi passar, mas que já imagino através de sensações abrasileiradas.
O tempo nesta cidade transcorre momentamente sobre o vazio das horas que parecem não existir. Até parece que alguma coisa salva-a-dor da gente, pelo o menos por enquanto. Entre a metamorfose dos dias e noites, o barulho dos copos preenchidos de cerveja e conversas soltas na audição das palavras ditas simultaneamente, depois suas praias urbanizadas, estreitas em faixa de areia, onde o mar dá o ar da graça sobre o muro de pedras, que tenta ingenuamente conter o avanço das águas. E quando as ondas invadem as calçadas molhando de gente, um baiano anuncia a frase: “Êita que o mar hoje está é bom... ta jogando até sereia pra fora.”
Na Bahia o deboche rola solto, a paquera evidencia-se nos olhares que se cruzam intensamente entre as pessoas. Brasileiros de todas as partes do país, gringos do todos os cantos dos continentes e uma alegoria guardada para o dia seguinte.
Igreja do Bonfim, sensações dilaceradas, fitas amarradas em três nós na portaria das escadarias e na praça central, benzedeiros do candomblé e umbanda se oferecem em troca de algum dinheiro. Muito obrigado mais uma vez.
Alguns Don Juan cercam as gringas de palavras gastas em Português. Sensuais, cortejam suas moçoilas e levam seu dinheiro embora.
Assaltados ficamos todos, diante dos fatos carregados de ações brasileiras.
Cachorros, gatos, bombas soltos, livre em tempos de vira-latas, dividem democraticamente a praças públicas com moradores das ruas.
No sobe e desce de ladeiras, as idéias se confundem com as sensações da gente, como se o mundo se apresentasse sobre nossos olhos e curvasse aos nossos pés.
A Bahia me deu a sensação de que o melhor lugar do mundo é aqui e agora, dentro da gente.
Axé!
Eliz Pessoa
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