quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Pelo vidro

Ele fala ao celular, caminha de lá pra cá, absorve a fala do outro, acalma a própria voz. Caminha.

Aqui, o vidro está sobre o olhar que insiste em observar o adesivo, enquanto ele (ainda) passeia.
Não há o que escrever, nem ao menos o que dizer, mas ainda assim arrisca-se por outras palavras, ondas de falácias.

Percebo o mundo lá fora e aqui dentro sobra espaço e divagação, enquanto a semana divide-se ao meio, anunciando outras passagens dilaceradas do dias que se vão sem dizer pra onde. E pensando no tempo, a Primavera resgata outras sensações, com seu ar feminino, com suas multiplicas e coloridas cores, flores e outros artifícios, que agora só existem aqui. Quanta poesia cabe numa só estação? Quantos Ipês já não mais esperam por ela para se desnudar por inteiro?

A quando se pensa que não há muito o que escrever, um abraço não esperado surpreende a escrita e reescreve o roteiro, que segue sem curvas buscando o amanhã.

A palavras não se gastam enquanto a experimentamos. O que se dissolve é o que havia dentro da gente enquanto ali vivia. E o afeto, o aperto, a alegria, a sintonia das coisas que são perecíveis, como a rotina da gente, se enchem de sentido quando escuto aquela canção descomprometida e inteira em divisões.

Escrevo para não dizer absolutamente nada, para estar presente aqui, neste absurdo um tanto extraordinário. Escrevo não por mim, porque não sei escrever com maestria. Escrevo pelo outro que mora aqui, que vive ali, nas ruas, avenidas e lixos da cidade. Escrevo pelo outro que não vive em mim, que não vive em si, que não vive em nada. Escrevo para remediar as avaliações, amenizar os fatos, para carnavalizar essa bagunça toda que não cessa numa só inquietação. Escrevo pela imagem que nunca fotografei, pela fala que nunca empurrei, pela malícia enclausurada nos rabiscos entorpecidos no papel. Escrevo para ouvir outra canção e engolir o juízo.


elizpessoa

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