quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Sobre saltos confusos ao nada




                                                                     (Imagem: UOL Notícias)


Estava completamente desesperado, cego de todos os atos... procurou o ponto mais alto da cidade para se sentir menos bosta. Foi lá em cima, subiu de escada os vinte e quatro andares, como quem tenta experimentar pela última e precisa vez as dimensões que o corpo exige do fôlego. Enquanto subia, seu coração parecia saltar pela boca, bombeando o sangue para tudo quanto é canal. Pernas firmes e ainda assim bambas. Estava sóbrio, como insólita é a realidade. Preferiu não beber, não se drogar, não se vender para outra subsistência fracassada. Estava de fato cansado de tudo isso, angustiado por todos, fadado. Em meio ao caos que habitava nele, uma certa loucura de sanidade fez a diferença ao pisar no 24º degrau daquele edifício.

Tudo era estranho, inclusive sua metamorfose. Tinha muito, mas muito medo da vida, pois a sentira como nunca havia experimentado anteriormente: VIVA, pulsante, adrenalina na mente, medo da morte. Sim! Sua segunda sensação veio do medo da morte... por outro lado pensava que era apenas o revés da vida, ou a mesma coisa vista ao contrário. Algo mais obscuro e não menos dilacerado. Havia um tremendo medo da realidade, da real idade e do fetiche incubado nas coisas e pessoas. Tinha medo de sentir medo, e ainda assim sentira como um ópio desalmado.

Não conseguia pensar muito em ninguém naquele momento, seu eixo era a perdição de seu caminho. De tanto ter, já não tinha mais nada, somente uma vontade elucubrada de perecer, de sentir o vento sobre a pele, num salto lento. Pensava no vazio, que não era mais que o seu vazio numa sala fechada. Como um louco em si mesmo, não descobria mais sentido em sentir nada.

Quando experimentou o vento correndo solto por todos os lados do topo do edifício, deixou que o envolvesse, cabelos soltos, braços abertos, um calorzinho do sol na cara. Não era um dia triste para se morrer, pois lá embaixo a vida continuara.

Caminhou até a beira daquele abismo, tremendo como um desesperado. Olhou as formigas humanas, trabalhando sem cessar um só segundo, febris, cegas e ensandecidas, completamente indecentes em suas rotinas. Andara cansado de gente, inclusive da pessoa que era. Achava tudo tão igual, como se pessoas e coisas tivessem sempre a mesma cor. Mas era só um momento. Experimentava o medo de nunca, em aspecto algum, o mundo se tornar diferente, tentava a diferença na sensações mais furtivas.

Sentou na base do edifício e ficou por horas contemplando a loucura humana e a sua própria. Pensou em Deus, no Diabo, na Vida, na Morte, senhora de todas as encarnações. Pensou na roda dos ciclos, na falta deles. Pensou por um instante fecundo, no animal que se alegrava quando ele chegava... sentiu um vazio, um aperto.

Nunca pensou que nunca havia pensado, que um dia, pisaria ali com aquelas intenções absurdas, com essa idéia  não aceita pelas religiões, escondida dos jornais. Não era ateu, nem crédulo por fé demasiadamente cega, apenas ele mesmo, completamente torto, humano demais pra ser verdade. Lembrou do filme onde o anjo pedia pra ser humano por um amor, achou tolo o pensamento.

Não era um suicida em potencial. E pra falar a verdade, um covarde como toda a gente.
Sentiu frio na barriga, sentiu medo da morte, desconfiança da vida.

Era um indivíduo como qualquer outro, mas não um qualquer.

Tinha medo de mudar o parágrafo, de não melhorar com o tempo, de cansar dessa correria toda e não experimentar outra verdade.

Naquele instante, ele não pulou, não tinha maestria em saltos confusos sobre o nada. Mas daquele dia em diante, voltara ali, muitas e muitas vezes, apenas para experimentar de (novo) todas aquelas sensações e ainda assim se sentir VIVO, por só mais uma margem infinita de tempo.


elizpessoa

terça-feira, 28 de agosto de 2012

The Strokes



                                                                           (foto: elizpessoa)


Ele não sabia do tamanho de sua displicência, quase inocência diante das coisas. Caminhava pelo mundo como quem procurava a solução das soluções. Em meio a essa bagunça toda, acabava encontrando muito dele no nada.

Ele não tinha um sentimento profundo, muito menos raso. Vivia entre o ópio das sensações que não cabiam somente nele, mas emprestava-se nela, nelas, neles e em todos os outros desgovernados ao som de uma canção The Strokes.

Perdido em meio à multidão daquela festa, que agora distante já pede passagem no atalho de tantas pessoas, que foram sem contar sua história, sem ao menos dizer ao que vieram... Ainda assim já se vão fingindo felicidade, em tempos aborrecedores.

Ele e todos eles não sabem a medida certa das incoerências, pois ao final de todas inequações a vida não mais pede um centímetro de nossa maturidade. Do contrário, reclama como um diabo ao lado de nosso ouvidinho esquerdo pedindo por mais uma sedução dizendo: se perca de você mesmo, para encontrar algo melhor no final da parada. Mas esse pequeno elemento vestido em trajes de carnaval, não existe senão por nós mesmos. O capeta da palavra gasta, o cara da oratória, o mau elemento que só clama por mais uma dose, outro gole de nossa própria extravagância diante de uma vida falha e equivocada, com malícias que deslizam sobre a língua ao lamber o ser.

De tanta existência, muitos deixaram pra lá, pois ainda era cedo e o sol ainda não havia raiado alegremente enquanto todos amanheciam embriagados.
Loucas horas de nossa perversão.

Ele, a palavra, os outros, a festa, o álibi, a sede, ela, o outro, a música, a droga das expressões mais verdadeiras, todos entorpecidos sobre o vazio da meia palavra.
Ela nem sabia escrever e ainda assim escrevia, tentando perder alguma coisa rara. Mas só conseguiu se encontrar nas curvas de suas divagações desconectadas. Tudo isso para ouvir só um cadinho The Stroke no ouvido.


elizpessoa

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Pelo vidro

Ele fala ao celular, caminha de lá pra cá, absorve a fala do outro, acalma a própria voz. Caminha.

Aqui, o vidro está sobre o olhar que insiste em observar o adesivo, enquanto ele (ainda) passeia.
Não há o que escrever, nem ao menos o que dizer, mas ainda assim arrisca-se por outras palavras, ondas de falácias.

Percebo o mundo lá fora e aqui dentro sobra espaço e divagação, enquanto a semana divide-se ao meio, anunciando outras passagens dilaceradas do dias que se vão sem dizer pra onde. E pensando no tempo, a Primavera resgata outras sensações, com seu ar feminino, com suas multiplicas e coloridas cores, flores e outros artifícios, que agora só existem aqui. Quanta poesia cabe numa só estação? Quantos Ipês já não mais esperam por ela para se desnudar por inteiro?

A quando se pensa que não há muito o que escrever, um abraço não esperado surpreende a escrita e reescreve o roteiro, que segue sem curvas buscando o amanhã.

A palavras não se gastam enquanto a experimentamos. O que se dissolve é o que havia dentro da gente enquanto ali vivia. E o afeto, o aperto, a alegria, a sintonia das coisas que são perecíveis, como a rotina da gente, se enchem de sentido quando escuto aquela canção descomprometida e inteira em divisões.

Escrevo para não dizer absolutamente nada, para estar presente aqui, neste absurdo um tanto extraordinário. Escrevo não por mim, porque não sei escrever com maestria. Escrevo pelo outro que mora aqui, que vive ali, nas ruas, avenidas e lixos da cidade. Escrevo pelo outro que não vive em mim, que não vive em si, que não vive em nada. Escrevo para remediar as avaliações, amenizar os fatos, para carnavalizar essa bagunça toda que não cessa numa só inquietação. Escrevo pela imagem que nunca fotografei, pela fala que nunca empurrei, pela malícia enclausurada nos rabiscos entorpecidos no papel. Escrevo para ouvir outra canção e engolir o juízo.


elizpessoa

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Ensaio sobre um possível estado de loucura



(Fonte da Imagem: Google Imagens)


Outro dia me disseram que eu era muito parecida com a moça do filme Clube da Luta. Aquela moça que vivia de grupo em grupo pirando o cabeção, personagem Marla Singer. Em princípio achei a comparação muito maluca, responsabilizei o visual por isso, e até hoje sei que na verdade é só isso. Não satisfeitos, agora a moça se vira pra mim (mais de uma vez) e diz que eu sou maluca, que não tenho nada de normal. Pior! Diz que essa frágil opinião não é algo pessoal, que as pessoas também acham isso. Sem problemas quanto ao fato de me achar estranha, quem não é estranho sozinho num quarto sem espelhos? E porque eu seria diferente?

Bem, o problema não é ser “diferente” uma única vez, mas a insistência em me fazer diferente foi o pecado mortal dela para comigo. Dizer isso, repetidas vezes, me incomodou bastante. Mas o incomodo se deu de Eliz para Eliz, de Pessoa para Pessoa, porque um ser como eu, a essa altura do campeonato, quase nos 47 do segundo tempo, pertinho de término do jogo, ainda encontro tempo para me incomodar com a opinião que algumas pessoas possam tecer ao meu respeito? Será que ainda encontro tempo para montar imagem para os outros?

Mas perdoando as falhas alheias e amenizando o incomodo das minhas, fiquei ruminando na estranheza de todos nós. Sem exceção! Sem tirar nem pôr, sem aumentar uma frase. Como alguém consegue achar que é normal, pensar-se “normal” num mundo completamente alucinado? No máximo é mais um louco beirando ao precipício. Quer loucura maior do que distrair-se assistindo televisão? O meu estoque de paciência e burrice já se esgotou.  Só agora é que compreendo o real e plausível contexto da canção do Titãs quando dizia “que é que a televisão me deixou burro, muito burro demais”. Sinto-me assim, subestimada a nada. Mas como não sou a louca como tentam me provar, não ando jogando pedra em quem ainda se anima com a tela da TV, respeito a vontade e o gosto das pessoas, não as acho menos inteligente por isso. Só não quero mais e prefiro outros exercícios, ainda que só consiga correr atrás do meu próprio rabo, como os cachorros que se divertem sozinhos.

Na minha fajuta e desnecessária opinião, só os animais praticam algum tipo de normalidade. Não nós humanos!

É cada vez mais perecível esse aspecto de sanidade nos arredores da nossa cidade, dentro das nossas casas, nas instituições que se camuflam de sérias para brincarem com a cara da gente. Também não estou aqui bancando a revolucionária do texto, até porque ele acaba quando o cuspo como estou fazendo agorinha mesmo. Mas, não venham com esse papo de anormalidade, com esse discurso do Eu Sou Normal, porque na verdade rasa das coisas, desconfio das ações mais perfeitas, das palavras mais prontas, das ações mais pensadas e do silêncio mais profundo. Prefiro inverter o olhar sobre a rotina, para não enloucrescer de uma vez só, e seguir vivendo um pouco mais que tudo isso.


elizpessoa

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Sobre cigarras escandalosas agarradas as árvores de um lugar qualquer


                                                            (Fonte: Google Imagens)


Você bem sabe que o processo tai. As mudanças já chegaram e o futuro, quem diria, é o presente.
E que presente o tempo nós dá em existirmos aqui?
Quais sementes nesta terra, não mais santa, germinam inteiras e sozinhas?

Esses diálogos trocados que rasgam um pouco daqueles que se atrevem no outro, pelo outro.
Pensei outro dia, nas diversas e aumentadas sensações que caberiam na experiência entorpecida dos sentidos... logo imaginei os muitos sons de uma orquestra sinfônica percussiva na nuca.
Só sei sentir música por ali.

Nesses novos tempos surpeendo-me com essas inquietações, e eu só quero sossego.
Tempos sem fronteiras e altamente limitado. Quais barreiras ainda se impõe sobre a gente, ao redor do mundo que nos circunda?

Tempo de homens vazios, de desordens generalizados e de longas aulas enfadadas.

Eu que só aprendi olhando pra fora, me exercitando nos outros, falando pelos cutuvelos para tentar calar alguma voz indecente habitada aqui.

Tempo de corais onde cantam cigarras escandalosas à procura de um só e singular SILÊNCIO.


eliz pessoa

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Para Susana



                                                          (Fonte: Google Imagens)



Seu nome é Susana, e só soube disso hoje. A boa e velha verdade é que não a conheço com inteireza, mas do pouco que soube, deu para ver uma professora nata. Ela já tem lá o seus quarenta anos de vida, dois filhos, sendo o maior com dezoito anos, futuro calouro de História da Universidade de Brasília, assim ele almeja e torço por isso. Sua fonte de inspiração vem exatamente dela, su madre. Ela passou grande parte de sua vida cuidado dos filhos, da casa, exercendo o difícil e inacabado papel de dona de casa, profissão em desuso e ainda necessária. Mas ela não aquietou-se aí, do contrário, resolveu dar aulas de reforço free em casa para os amigos de seus filhos. Quando percebeu já somavam estudando em sua casa, por volta de umas quarenta crianças. Descobriu a vocação para a Pedagogia e resolveu testar o ENEM. Deu certo. Conseguiu passar pela UnB para o campos de Catalão, mas a distância foi cruel e aproveitou a nota numa bolsa de cem por cento numa instituição particular.

Um dia ela se apresentou a turma e logo, logo me fez chorar. Quebrou a minha postura um tanto séria naquele dia, me fazendo enxergar uma grande e promissora professora diante de meus olhos marejados.
Ela é firme, doce, forte e amável. Gosta de gente e assim fica quase impossível não gostar dela também. Fiz isso fácil! Ela tem gana de aprendizado, é gente como tantos outros que trabalham, ralam, enfrentam ônibus lotado e que segue dando conta do recado, ainda quando duro.

Ela não é nem mais, nem menos, vai no caminho da medida certa, alinhada com seu tempo. Não satisfeita, me surpreendeu novamente me dando um abraço afetuoso e me comunicou um presente inesperado... Ela foi lá na vida dela, futricou uma porção de possibilidades para resolver uma questão que, até então, acreditei ser só minha. Ela deu seu jeito e resolveu.

Desinteressada em retorno e completamente interessada no outro, no olhar do outro, me ajudou e me desarmou. Sem muitas reações, retribuí com o mesmo olhar que ela me ensinou e dei-lhe um abraço dotado da mesma sinceridade concedida.

O que fazer diante da beleza contida na essência de algumas pessoas? E esse bem que vem do outro?
Sem jeito e grata retribuí a sua ação. Devolvi toda a beleza que ela me emprestará.

Seu nome é Susana e eu ainda não a conheço.
Seu nome é Susana e eu já a conheço tanto.
Seu nome é Susana, futura Pedagoga.


eliz pessoa 

segunda-feira, 13 de agosto de 2012



                                                        (Foto: Google Imagens)


Desassossegados seus olhos procuram por qualquer mísero pedaço da pedra. Sem olhar para os lados, ignora todas as direções, menos o chão sujo do setor. Ele apaga o mundo que o circunda, pois nada mais parece equivaler-se ao vício exaurido pelo ópio da morte.

Seu corpo já vulnerável pela droga exibe costelas, braços, pernas, rosto esquálido, olhos fundos e aguçados, pela opaca e suja. Como um morto vivo sobrevive dos farelos da pedra. Mas ele não é um, multiplica-se como ratos que sobrevivem do resto no resto da gente.

Ele, quase amnésico, procura pela pedra próxima aos meus pés, e não consigo me amedrontar diante disso. Do contrário, o observo atentamente como quem tenta interpretar os detalhes no corpo do outro. Mas minha interpretação é tão pessoal e por essa razão falha, que me aquieto no olhar traiçoeiro. Ele não me vê, e talvez não veja a mais ninguém. Só tem olhos para a pedra e para a perda, renúncia de si mesmo. Seu tempo, assim como o meu, se dá no presente e não há mais espelhos onde ele possa se enxergar. E chego a pensar: será que ele se enxergaria diante o espelho? Penso na distância entre esse homem antes da pedra e este mesmo homem pós-pedra.

Como numa epidemia, ela expande seus negócios, arrebenta novas fronteiras sobre o indivíduo, tornando o sujeito de sua ação algo muito mais que frágil.

Saio dali com a sua imagem impregnada em minha cabeça confusa em meio a tudo isso...
Ele não tem nome, nem imagem.
Ele não tem mais nada e pensa que tem a pedra, mas é a pedra que o tem – prisioneiro de suas vontades.


elizpessoa

terça-feira, 7 de agosto de 2012

D r ã o


                                             (Foto: http://intervalodanoticias.blogspot.com.br)


Ela observa-me através do vidro. Atenta aos detalhes corre o olhar passageiro... Sem jeito desvio a vista e miro o estádio em reconstrução, tentando imaginar a apreensão dos operários da obra, que viram seus colegas de serviço ferirem-se, e outro morrer em menos de um mês, aproximadamente. Quanto vale a vida do trabalhador? Quanto vale tudo isso?

De olhos fechados as ideais voam longe, perdem-se de mim afastando um pouco a realidade das ruas ao som da canção que retrata um homem que, ao assistir ao filme, o conta com mais entusiamos que a própria história relatada. Quanto de fantasia cabe em cada um de nós? Entre uma melodia e outra, habita a realidade, rápida, endurecida e concreta.

Me pego pensando num devaneio: e se eu resolvesse cantar em voz alta a música que ouço no mp3, para onde essa canção me levaria? Quantos espaços cabem no meio do nada? E se todos resolvessem não me olhar com indiferença e estranhesa? Se cantassem comigo num coro novo, uma canção do Gil num Drão de pensamento? Quebrariamos por um instânte a mesmice enfadonha dos dias?
Ela agora compreende o ópio e o óbvio de tudo isso.

Isso não cabe numa única viagem tão curta e tão longa, recheada de rostos desconhecidos e completamente iguais.

Ela também não entende quase nada do que eu digo, e ainda assim sigo cantando.
Rapidamente o olhar encontra um jovem Rock and Roll, que espreita minha escrita, lembrando um tempo que escapou da gente enquanto viviamos.

elizpessoa