terça-feira, 24 de julho de 2012



 Foto: Internet


- É apenas um real o drops de hortelã! Temos também amendoim empacotado, gomas de mascar, tudotudo a preço de banana!

- Quem vai levar? Vamo, vamo que esse preço é só por hoje!

- Leva um aí cobrador? Beleza irmão, que Deus lhe pague!

Um olhar de rabo de olho, sensações descompassadas, zona de conforto quebrada, lentidão de veículos pesadas, caminhos cruzados entre vivos e mortos, fome exacerbada, observação atenta da senhora ao lado, gentilezas de quem concede o acento, pele de moça de segunda-feira, trânsito fluente, palavra assídua e um leve roçar desconfiado de dedos sobre a cabeça, depois de um jeito desconfiado e outras oportunidades enquanto o tempo germina. Prováveis substantivos abstratos. 

Este é o primeiro dia de muitos outros nessa vida reciclada, e rapidamente ela passa vestindo camisa xadrez e pesando nos braços uma sacola verde limão. O frenar do ônibus surpreendendo a escrita, o cálculo inexato das coisas, um escapulário mapeando o pescoço, a impaciência do lado de lá, as múltiplas pulseiras coloridas no braço do cobrador, as luzes amarelas da cidade, a gentileza retribuída ao cavalheiro que, agora de pé, assiste a vida pelos vidros da condução, como na tela do cinema.

As pazes com as circunstâncias, o dedo deslizando sobre o teclado do celular, um torpedo no silêncio e o monólogo de uma moça acelerada, a materialização de um pensamento, a palavra gasta sobre a pauta, o trânsito afunila a fome, aperta a pressa, deixando a vida com cara de curta sem metragem e o amanhecer que logo entardecendo tráz tempos de prédios esguios, retos e multiplicados.



elizpessoa

Nenhum comentário: