segunda-feira, 30 de julho de 2012

Ela e o sistema



 Tá na cara que ela deu um duro danado para comprar um celular novo, beirando ao "muderno". Até aí, tudo certo.

Olho pelo vidro e vejo a vida apressada lá fora  e quase acredito num instante de silêncio. Ela manuseia o aparelho, brinca com o teclado touch screen deslizando o dedo suado. Observo-a estranhamente. Ela  atenta, nem se dá conta de mais nada. Não satisfeita, coloca uma musiquinha estúpida, quase amaldiçoada, de arrepiar os ouvidos. Mentalizo... juro que mentalizo que ela desligue o maldito aparelho! Cadê o fone de ouvido? Porque ela o trata com tanta indiferença?

Ela se envaidece com o som - MÚSICA RUIM DA PORRA! Não consigo controlar minha impaciência e fico ruminando na mente um diálogo com a dita cuja:

- Moça, não me leve a mal, mas da para baixar o som, porque está todo mundo cansado?

Ela me olharia impiedosamente e ainda espaçosa, responderia que NÃO!

- Ta incomodada fia?

- Sim, estou e você não está em sua casa!

De volta ao momento, ela ainda impune, continua presa a si mesma, ignorando todo o resto. Ela não tem jeito, nem eu. Sua falta de educação impressiona-me em pleno transporte público, visão do inferno, espaço do holocausto, caminho do caos. Mas a falta de educação dela não poderia faltar em mim. Controlo um pouco de minha loucura contida num só pensamento e fujo da realidade projetando um futuro de moto. Solta no asfalto, numa decisão certeira: acabo com isso comprando uma moto e redigindo um texto novo, num contexto diferente e amplamente libertário, enquanto a vida pede passagem num instante fecundo.


elizpessoa

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Positive Vibration


                                                   (Fonte/foto: Google Imagens)


Quando soube que o coração é o primeiro órgão a se formar na gente, fiquei um tanto quanto intrigada... Esse músculo responsável por bombear o sangue e distribuí-lo a todas outras partes do nosso sistema animal é de tamanha importância na vida de cada um de nós. Ainda assim e estranhamente, tenho percebido pessoas novas falecendo por o sobrecarregarem. Jovens infartados aos 27, 31 anos, deixando parte importante de suas existências por transportar carga demais nesse músculo vigoroso. 

Daí vem outra ideia entre os abismos de peito e as malícias da carne, ele, o coração, segue seu destino dando vida a vida, semeando histórias, conflitando posições e se entregando a causas anteriormente não pensadas. Algumas até justas.

O fato é que ele é perceptivo, atento, de olhos abertos, cuidadoso com os outros, chacra sintonizando em ondas positive vibration, experimentando um pouca da Física, compreendo pessoas e aceitando-as.

Mas agora ele sente! Experimenta o outro e só assim consegue baixar guarda sem julgamentos, sem formular conceito antes que eles se formem sozinhos.

Esse coração não tem nada de vagabundo, é sagrado, inteiro e completamente desfragmentado nas pessoas que o fortalecem: amigos, família, natureza e animais. Nessa nova onda, abre espaço por entre caminhos silenciosos e caminho cauteloso, porque a razão solicita entendimento prático e amável e porque também se pensa quando nele se encontra.

Cérebro e coração ou coração e cérebro. Dois órgãos que são parte de uma coisa só, cósmica, integral e divisível. Complexos como a vida e simples como ela.

Quando àquele Cristo hippie nos disse: “deixai vir a mim as criancinhas e não as impeçais, porque o Reino de Deus é daqueles que se parecem com elas”, ali era o coração imaculado novamente, sem mágoas, nem amarras, cheios de toda existência pela frente.

Agora o resto é alma, e alma a gente expande.


elizpessoa

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Coletivo - Parte II


                                              (Fonte da imagem: http://racks13.tumblr.com/)



De repente ele surge em meio aos adultos que se empilham no corredor. Segue como uma tartaruga carregando o pesado casco como quem se esconde do mundo. A casa, neste caso mochila, bem mais carregada que ele. Seguro de si seu tempo não há pretéritos, é tempo presente, de um menino presente, da infância presente. Meu olhar cansado, ainda assim se encanta com o novo, se abre ao observá-lo tão cedo.

Reto em seus passos, ele alcança o fundo do ônibus e ali se posiciona, segurando com suas pequenas mãozinhas o ferro afixado próximo à saída. Seguro se si lembra um adulto, mas escondido lá atrás, sua pequena presença beira a indiferença dos outros, a minha.

Ele carrega a beleza de um mundo novo e completamente encantador: uniforme da escola classe divide dois mundos, duas cidades que me dividiram um dia. Em cada uma delas duas mães, uma parida, outra criada, dois corações divididos pelo o meu. Dois amores vastos. Como ele e em cada uma das cidades, uma criança que chegava e outra que partia, dois estados, duas realidades. Vendo-o me vi ainda menina, cabelo emaranhado, atropelando o tempo da escola, experimentando os sons da música, aprendendo o apego e o desapego, experimentado um pouco das viagens entre as estradas e as ideias, lembrando a menina que fui e a mulher que sou, quando seu telefone toca e sutilmente ele abre a mochila e atende a ligação respondendo que já está a caminho de casa. Desliga, ajeita a mochila e pensa...

Vendo o menino aprendi a desaprender meias verdades e a questionar verdades supremas, quase islâmicas.
O menino e a menina em mim, indo e vindo entre duas realidades indivisíveis.



elizpessoa

terça-feira, 24 de julho de 2012



 Foto: Internet


- É apenas um real o drops de hortelã! Temos também amendoim empacotado, gomas de mascar, tudotudo a preço de banana!

- Quem vai levar? Vamo, vamo que esse preço é só por hoje!

- Leva um aí cobrador? Beleza irmão, que Deus lhe pague!

Um olhar de rabo de olho, sensações descompassadas, zona de conforto quebrada, lentidão de veículos pesadas, caminhos cruzados entre vivos e mortos, fome exacerbada, observação atenta da senhora ao lado, gentilezas de quem concede o acento, pele de moça de segunda-feira, trânsito fluente, palavra assídua e um leve roçar desconfiado de dedos sobre a cabeça, depois de um jeito desconfiado e outras oportunidades enquanto o tempo germina. Prováveis substantivos abstratos. 

Este é o primeiro dia de muitos outros nessa vida reciclada, e rapidamente ela passa vestindo camisa xadrez e pesando nos braços uma sacola verde limão. O frenar do ônibus surpreendendo a escrita, o cálculo inexato das coisas, um escapulário mapeando o pescoço, a impaciência do lado de lá, as múltiplas pulseiras coloridas no braço do cobrador, as luzes amarelas da cidade, a gentileza retribuída ao cavalheiro que, agora de pé, assiste a vida pelos vidros da condução, como na tela do cinema.

As pazes com as circunstâncias, o dedo deslizando sobre o teclado do celular, um torpedo no silêncio e o monólogo de uma moça acelerada, a materialização de um pensamento, a palavra gasta sobre a pauta, o trânsito afunila a fome, aperta a pressa, deixando a vida com cara de curta sem metragem e o amanhecer que logo entardecendo tráz tempos de prédios esguios, retos e multiplicados.



elizpessoa

terça-feira, 17 de julho de 2012


(Foto: Eliz Pessoa)


Logo e bem rapidamente sigo pelas ruas da cidade. Muros pichados em palavras de protestos, outros recheado da arte dos grafites que dão certo ar e graça a vista do cidadão que passa. Ônibus, sacolas plásticas jogadas aleatoriamente ao chão, lixo e o trabalho incessante dos garis que varrem às ruas dos não civilizados. Torre de transmissão levando o sinal do mundo num piscar de olhos do indivíduo. Tecnologia e tecnofobia de tudo. 

No tempo da pressa no asfalto, os atalhos nos remetem a nós mesmos. De repente me pego processando uma ideia proveitosa: e se eu pudesse pedalar e ao mesmo tempo recarregar a bateria do meu aparelho mp3 e assim seguir viagem sem deixar a música falta aos ouvidos? Soube que no interior de Minas, um prefeito anda estimulando seus presos a diminuir à pena pedalando e gerando energia para as praças da pequena cidade. Pelo o menos seis horas de pedal por dia são suficientes para colocar o coração em forma e a alma em juízo. Penso...

De alma carregada à pressa continuar fazendo parte das mesmas coisas, e sempre encontra espaço entre um pensamento e outra correria. Na mochila pesada, outra vida lá dentro carregada nos livros, nas promessas de inscrição, nos papéis maus recolhidos da estante do quarto, no maior peso de todos, advindo das contas que contam dias.

Mas a cidade... Ela sim parece engolir muito dos seres que nela se experimentam. Parece viva cálida e cansada. Reinventada nos acumula de sua personalidade. Ou seríamos nós que a submetemos a isso? Inteira e despedaçada, calçada todos os dias por pessoas, animais, veículos e outra animosidades. Não posso me perder quando transito por suas avenidas. De fato nem haveria como, pois a conheço melhor que a mim mesma. Sei dos teus artifícios para me enganar, de sua maestria em me seduzir, do seu dedo sujo apontando o nariz de outro. Sei até, de alguns segredos guardados em suas entranhas. Mas você, nem pensa muito sobre a minha cidadania.

Bem penso que caberia a minha pessoa, cuidar da sua imagem, mantê-la limpa. Bem mais que isso, caberia a mim, cuidar de suas dores também. 

Sigo por suas ruas e penso em você, cidade minha, como parte de tudo que me habita.


elizpessoa

segunda-feira, 16 de julho de 2012



Ele como hábito apareceu no meu caminho com a mesma mania de colher grãos da terra avermelhada aqui do centro oeste brasileiro. Ele é bem miúdo, indiferente ao meu olhar pidão. É, porque não há outra maneira visualizá-lo sem me encher de ternura. Seu nome é João de Barro e dizem alguns, que ele aprisiona a fêmea até mata-la em sua casa de terra vermelha, construída bico-a-bico nos galhos das árvores, postes de iluminação pública, sacada das quitinetes, no jardim do vizinho ao lado.

Alguns artesãos descobriam a arquitetura do pequeno e a transformaram em casinhas pequenas para decorar casonas maiores.

Eu gosto do João de Barro e gosto do barro de João, da miudeza do João, da falta de cabimento de João, da simplicidade do passarinho e da minha imbecilidade diante de tudo isso.


Era só um passarinho da cor do barro e do barro em cor.


elizpessoa

quinta-feira, 5 de julho de 2012





Salve, salve!

Que paixão é essa colorida em branco e preto?
Que fidelidade é essa da nação intensa?
Meu, que timão é esse, apadrinhado por São Jorge? O fato é que sempre soube dessa emoção genuína, e até cheguei a me questionar se seria possível nascer em SP e não se tornar Corintiano.
Um time de futebol só se torna inteiro pela alma de sua torcida, e neste caso, sobre alma.
Assistindo a final da Libertadores da América, fiquei arrepiada com o poder que emana dessa torcida maluca. Coisa linda de se vê!

O meu coração que não é Corintiano se inflama dessa emoção nacionalmente brasileira.
Qual o tamanho da distância que separa uma equipe de um sonho?
Qual o preço que se paga para alcançar esse sonho?
E a medida dos sonhos, cabe em quantos quilômetros?

Tenho o mapa da América Latina tatuado nas costas, e hoje, ele é Corintiano, porque o Brasil é o Coríntias, doa a quem doer! Torçam os narizes seus adversários, mas é Brasil em branco e preto, Brasil dos “mano”, Brasil das periferias, do transporte público lotado, do trabalho árduo e do troco pequeno.
Hoje sou Coríntias porque também sou do nó na garganta, porque não me cabe frescura, porque sei o valor do dia a dia, em especial, desta quarta-feira, dia 4 de julho de 2012, dia em que o Coríntias se tornou o campeão, invicto da América. 

Agora, prazer mesmo é ver a Argentina voltando sem a taça para casa.



elizpessoa