quinta-feira, 22 de março de 2012
Sobre o Frango da Galinha Preta
(Foto: Faceboock de André Totors)
Morava numa rua cheia de estereótipos e uns rapazes punks me chamavam a atenção. Mas um, em especial era diferente no meio deles. Ele morava no final da rua. Não sabia se eram de fato punks ou anarquistas, mas usavam calças desbotadas, rasgadas no joelho, camisa preta anarquizada com o famoso “a” cortado ao meio estampado nas costas. Carregavam uma liberdade que eu não tinha. De certo tocavam em alguma banda de garagem ou em estúdios escondidos num submundo dos bastidores do poder de uma Brasília em transição em tempo discursivo. Escondiam-se nas entranhas do Conic.
Nunca troquei uma palavra com aqueles meninos, ainda que morasse na mesma rua e por entre a plataforma inferior da rodoviária onde os via quase todos os domingos munidos de guitarra, coturnos, cabelos desfigurados por algum Edward mãos de Tim Burton.
No meu universo só cabia um olhar de admiração, sonhando um dia ser como um deles: livre, contestadora e indiferente.
Naquele tempo, escutava muitas atrocidades a respeito dos caras, como: anarquistas não tomam banho pois protestam contra o sistema, punk só serve pra anarquizar às regras já estabelecidas, gótico é tudo doido. Por aí vai. Mas o que impregnou minha ideia, foi a possível falta de banho de um protesto contra um sistema do qual não tinha nenhum conhecimento formado. Interpretava meio torto o manifesto, pois gostava de tomar banho e isso me afastava deles. Protesto que só atacava de fato o corpo do indivíduo desbanhado.
Mas eu gostava dos punks, das tatto nada democratizadas, dos cabelos desgovernados, das pernas camufladas, do bom e velho jeans, das jaquetas cheias de símbolos, das guitarras carregadas nas costas e de toda aquela confusão.
Ali era o início de minha admiração pelo punk, assim como os Jacksons Five, Raulzito e seu pluft-plaft-zumm que não ia a lugar algum, ou a tal “casa muito engraçada que não tinha teto nem nada” e toda a musicalidade que rodeava àquela experiência passageira do viver.
Depois fui crescendo e muitas imagens foram dissipadas no meio de um caminho escondido na memória. Fui me programando pra dar certo e errei muito nesse processo. Almejei outros estereótipos, outros cabelos, outra veste que escondia muito que do que eu era e foi me camuflando pra um mundo igualmente camuflado. E com o tempo descobri que um dos meus punks preferidos era um roadie e eu nem sabia o que era isso.
O reconheci organizando muitos palcos em tantos shows realizados nessa Brasília alterada pela disfunção do tempo. E agora meu sonho é ser roadie por um dia. Ficar de um lado a outro do palco, agachada, puxando fiação, ajustando o som para outros ouvidos ignorantes e aguçados. Harmonizar o palco para outras pessoas brilharem mais do que eu. Ser maestro da simplicidade.
Pelas páginas de uma infância feliz, em especial ao punk da minha rua, ao roadie da minha cidade e aos artistas do cotidiano que me ensinaram a pintar uma vida com outras cores.
eliz pessoa
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