Às vezes passo alguns minutos fitando-a, analisando cada pensamento perdido, sorrateiro que tenta parir algo para as brancas linhas de uma folha amarelada pelo tempo.
E todos eles vêm como personagens crônicos de minha memória digital, trazem muito de mim e levam as lembranças para as avenidas largas de minha cidade em transição, para dentro das quadras, enquadrando nossos hábitos e rotinas.
São mendigos, lavadeiras de banheiros públicos, putas paridas, malucas de todos os gêneros, bêbados, esquisitos, diferentes e iguais em nossa condição humana.
Muitos vivem aqui dentro, existindo nas minhas lembranças, enriquecendo minha vida, na extraordinária. Mas eu também sou cada um deles, quando me permito e os experimento de novo, num próximo texto, em muito de mim.
Por isso os arrisco, os desenho, pinto-os de personalidade, reescrevendo não como os vejo, mas como os sinto, sejam eles tortos ou retos. Geralmente tortos...
Porque deles são minhas palavras, operários de minha história, contadores de minha vida. São todos os lugares, estão em cada centavo desperdiçado, em cada canção “Ramalhiana”, em uma nova emoção. São rascunhos, minha inconfidência, minhas inquietações, indecências e querências. Toda minha vontade de não ser nada, sento tudo.
Por isso, me arrisco num risco, cuspindo palavras, casando hiatos, parindo textos. Pois é assim que sou e sendo a vida se manifesta pelos meus poros, nos filtros de minhas narinas, nos pêlos de minha face, nos ciclos de minha feminilidade, nas veias de meu coração.
Por isso os escrevo, porque só assim os vivo.
Porque só assim os vejo.
Porque só assim os sou.
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