quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Tráfego


                                                                         (Foto: Google Imagens)


De longe a cidade acende suas luzes amarelas ocultando pessoas. Qualquer movimento é uma libertação contrariando o congestionamento. Um, dois, três acidentes entopem as veias do caminho. Só de imaginar a temporada das chuvas e em como ficaria tudo isso aqui, já causa certo constrangimento inacabado.

A cidade dividida sobre o asfalto e nenhum indivíduo poupado. É tempo de reclamação e mato queimado, e o trabalhador resignado busca sentido em tudo isso, porque a vida em si não basta.

Aqui onde muitas atmosferas envolvem a palavra, um atalho desgastado, encurta distâncias, e aquela velha roupa colorida já não veste mais um pensamento. Pois o mundo gira sempre em sentido horário, embora a impressão latente nos diga bem o contrário.

As pessoas continuam cumprindo o papel do mesmo sempre, e isso em si não preenche as mesmas paridades.

O fluxo da existência é intenso e todos, sem exceção, procuram espaço nos ônibus, viadutos, calçadas e cidades. Procuram um pouco mais coração num mundo de praticidades. Penso em tudo isso com o envolvimento de quem assiste de fora, com aquela vontade de não entender direito, só para não pensar com a certeza de manter os dois pés ficados no chão endurecido, em tempos de engarrafamentos e de opiniões compartilhadas num estralar de dedos.



elizpessoa

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Tava pensando...

na hierarquia dos dias
no titubear das palavras
na fresta da janela
no vento gritando tenebroso sobre o espaço
na lida
na luta
na base escondendo as imperfeições no rosto da moça

Pensando nas pernas que trilham caminhos
na vigília constante do sono
no cansaço repetido dos dias
nos estudos em horas ensaiadas

Pensando nesta vida
na outra
no desatar dos nós
nos ouvidos
no ruído da comunicação truncada

Pensando na pressa
na falta
nos pelos dos gatos lambidos frequentemente
nos dias

Pensando no texto não redigido
na ideia defasada
no amor guardado
na pressa sobre a calmaria
nas viagens infindas pela vida
nos post e retratos

Pensando em arrumar o quarto
em doar aquelas roupas há muito guardadas
em rabiscar centelhas
em esquecer o prejuízo
depois de aperfeiçoar a caligrafia e escovar os dentes

Pensei em tudo isso num segundo derradeiro
depois deu fome de não pensar em nada



elizpessoa

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Porque viver tem dessas coisas






                                          (Foto: Peça de Teatro Morte e Vida Severina - Sala Funarte)


Estamos aqui tão breve e só de passagem. Outro dia me peguei refletindo sobre isso tudo, sobre a vida: minha, sua, nossa. E o que ficou aqui dentro foi à brevidade. Por que tudo é tão rápido e efêmero, porque todos gostariam de mais tempo para mostrar ao que viemos, gostaríamos de amar mais incondicionalmente, porque precisamos fazer valer a promessa feita em algum outro plano - isso para quem acredita nessas coisas. Enfim, não importa. Queríamos mais tempo e de fato, o presente é a única moral realista do existir.

A gente vive e se empresta, se permite, aprende e são tantas as lições inacabáveis. A gente reza por um mundo melhor quando assistimos as almas vitimadas pelas guerras, crianças inocente que mal tiverem tempo de aprender a falar e escrever. Guerras que não mensuram cor, credo, idade e tempo. Guerras onde a verdade é a primeira a deixar de existir.

Essas últimas semanas, por exemplo, tem sido assim. O mundo caótico, quebrado, chamando a atenção aos nossos olhos, despertando o nosso pensar que pesa sobre tudo isso. A Síria, o Egito, o Alemão, a Rocinha, Canta Galo, as periferias brasileiras - tão ricas e tão pobres em assistência. A dor das mães, pais e amigos de tanta gente que se perde na loucura de mãos poderosas e gananciosas.

Esse ser homem contraditório e infinito em possibilidades, se limitando perante a morte, que pertence, esta sim a todos nós. Porque todos, sem exceção, vamos viver essa experiência. Que é uma experiência essencialmente da VIDA.

Esta semana muito pesar sobre meus pensamentos. Certo olhar curioso e tímido sobre esse mundo a qual estou vivendo. E a vida, essa senhora cansada, sempre me diz alguma coisa, me pede muito, mas muita paciência. Em primeiro lugar comigo mesma, depois com o mundo que me cerca todos os dias. Paciência de viver em sociedade, de respeitar a vida, a morte, o tempo e o espaço dos outros. Paciência para não atrapalhar o caminho de quem precisa passar e de quem quer viver.

Esta semana, por tudo isso e muito mais, senti solidão e uma vontade de ficar quieta, de fazer diferente, de só perder mais tempo com o que de fato interessa. E o que interessa é a vida emprestada a cada um de nós: bichos, plantas, ar, gente. A vida perene, falha, rasa e completamente profunda. Esse nó na garganta, esse anseio de fazer desse tempo, um espaço melhor para mim, para todas as pessoas que amo, em especial, fazer diferente a todos as pessoas que eu não amo. Porque viver é imperativo e a vida é um presente.



elizpessoa

quarta-feira, 21 de agosto de 2013



Era para ser uma passagem entre um dia e outro. Ela bem que tentará não prestar atenção nos detalhes que a cercavam como a conversa trocada das mulheres no ônibus, como a grosseria do motorista sempre arrumando confusão com os passageiros, sendo doce apenas com a moça que o paquerava. Aliás, esta moça era a certeza de que o ônibus não havia passado mais cedo. Onde ela estivesse lá estava à outra moça confiante na volta para casa. Todo dia era assim, trânsito congestionado, fluxo intenso, Brasília vista ao longe.

A correria da semana exigia de cada um, um pouco mais de paciência, muito mais de empatia e exercício. Nunca fora fácil viver em sociedade, respeitar as diferenças que pesavam pra mais e menos. Mas de certo modo, dava para entender os porquês de o criador ter nos dado a chance de voltarmos pra cá. A escolha de aqui estarmos era a maior dádiva de todas. Dentro dessa grandiosidade cabiam, além da gravidade, outros pesos do existir. Ficaria mais fácil de aceitássemos que o mundo se entorta em reticências, se dobra em malícias, se enche de gente indo e vindo constantemente.

O mundo, este que pisamos, também vinha cheio de fadigas, estafas, vontade de não fazer nada nas próximas horas latentes. Mas num tempo onde correr é imperativo, seguir freneticamente tem sido regra imposta por uma ditadura consumista. Corra, trabalhe, estude, lute, vingue, prossiga, grite, compre, coma, ganhe, lucre, tenha, seja, sociabilize-se e não tente fugir do esquema.

Ela só queria não parar de tentar. Tinha dias que esse não parar, não era nada fácil – negócio escuso, impertinente. Tentar de novo, colocar a cabeça para erguer o corpo, para injetar ânimo na alma. Escrever pra dar sentindo, ainda que as palavras se resumissem no olhar crônico da mesmice. Todo dia santo e todo santo dia.

Ela, uma moça naquele dia exausta, perdera o brilho no olhar. Aquele brilho tão necessário para o gosto na vida. Aquele mesmo brilho que faz de uma simples imagem, um turbilhão de sentimentos felizes. Só num dia desses qualquer por aí.



elizpessoa
Eu escrevi uma coisa, dessas corriqueiras, sem importância. Escrevo sempre assim, e o mesmo de desvencilha de mim.

Outro dia, buscando paciência em meio ao barulho, encontrei um silêncio tão grande, que tudo: o tempo, o mundo e os outros – todos eles esbarraram-se no vazio.

 A gente escreve para não morrer mais um pouco, jogamos palavras soltas por aí - absurdos de nós. Depois cala, para, pensa, lê novamente e acha tudo uma grande besteira, desabafos desnecessários.

A gente pensa que se acostuma com si mesmo, mas não é verdade, nunca nos acostumamos com eterno em nós.

Descrevemo-nos, nos contamos como diferentes, experimentamos novos atalhos, nos perdemos em meio a multidões, pensamos que nos inventamos sozinhos, mas nada e nem ninguém é absoluto, singular e onipotente.

A gente (da verdade) é simples, frágil do jeito que Deus nos fez, tal qual sua imagem e semelhança. Tal qual sua palavra indeferia por aí. Depois não somos mais nada, apenas uma lembrança registrada na memória de alguém.



elizpessoa

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Até chegar a Primavera


                                                                      (Foto: Google Imagem)



Outro dia briguei por conta do pedreiro Amarildo. Ando fazendo isso com certa frequência e uma sobrecarga de indignação. Sentimento este que não ajuda a resolver absolutamente nada. É tanto descaço, tanta opressão e um interesse cada vez maior em defender apenas o próprio umbigo, como se fossemos algo singular apenas, como se não tivéssemos nada haver com os fatos. Como se não estivéssemos inseridos num sistema confuso e doente.

Não é só o Amarildo que sumiu depois de averiguação numa UPP dentro de uma comunidade que chamavam de pacificada, são outros favelados, periféricos que somem todo santo dia sem deixar vestígios. Tantas mães que perdem seus filhos para o tráfico, os perdem nas mãos da polícia fatalmente corrompida. Perdem a saúde em corredores de hospitais sem remédio, e sem alma. Perdem seus filhos em escolas que tentam seguir educando no escuro, educando na indiferença do Estado analfabeto de direito.
Sofro, e acho isso completamente imbecil, até porque o máximo que posso extrair é tristeza, sentimento de revolta e silêncio. Mas novamente, não resolve.

Como espírita, acredito que o caminho da humanidade está no progresso, ainda que não vejamos tão claramente, ainda que pareça que nossos passos estejam trêmulos e inábeis.
Como pessoa me cabe a fé no futuro pretérito de tempos melhores, ainda que não esteja mais aqui, sendo este me maior exercício: esperar novas Primaveras



elizpessoa

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Cavalcante – GO, 3 de agosto de 2013


                                                                                (Foto: Eliz Pessoa)



Cavalcante é um lugar sossegado demais da conta. Cidade pequena, pacata, cor e ares de cidade fantasma. Ao seu redor, toda a beleza das chapadas, montanhas rochosas e exuberantes, natureza exacerbada. Ah o olhar! Este não é poupado um só minuto: leste, oeste, norte e sul e nenhum cansaço à vista. Segundas, domingos sem diferenças.

Cachoeiras de Oxum, terreno argiloso, poesia latente. Apenas almas, elas sim parecem existir por ali nas manhãs e madrugadas.

Aos mais desavisados músicas ouvidas ao longe, sons que se misturam com as latidas respondidas dos cachorros, ou ainda pela sinfonia dos galos. Cidade labirinto, sentidos exaltados. Ali é possível desfrutar qualquer viagem com os cinco sentidos.

Gente brejeira de fala mansa, ruas atravessados por galos, deitadas por cachorros, céus enfeitados por pássaros.

Cavalcante das escondidas cachoeiras de águas geladas. Flor do Cerrado, mina d’ouro, terra de negros calungas e noites de estrelas multiplicadas.

Por ali tudo é sossego, sonha-se sossego das casas simples, sossego de solidão acompanhada.

Cavalcante das notas dispersas no ar, de ouvidos aguçando sentidos.
Cavalcante, seu silêncio é uma Folia de Reis, numa canção sem rainhas.
Cidades do esquecimento, e do encontro de você consigo mesmo.

Por ali, viver é sempre uma linda sinfonia lembrada por quem esteve de passagem.



elizpessoa