quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Sobre a criança em mim



                                                                       (Foto: Arquivo Pessoal)


Dias desses, observando as paradas de ônibus repletas de crianças, pensei no tempo da infância que tão rápida e tão intensa passou pela minha vida. Lembrei da criança que fui, na imensidão que habitava àquela fantasia toda, na dificuldade que tinha, e ainda tenho em crescer e aceitar o adulto em mim. Lembrei do olhar puro perdido diante do mundo e da dele. Parece até que, consigo por um só instante, experimentar novamente as noites em que sentava no balanço do quintal de casa e ficava por horas, ainda que sentindo um certo medo do escuro da noite, observando o céu estrelado. A cabeça ia longe, percorria todo o universo, outras galáxias num simples ato de observar.

Naquele tempo a vida parecia uma grande e extraordinária aventura, onde um amontoado de pedra de brita logo transformava-se numa imensa montanha imaginária. Tempo do castigo no banco amarelo exposto no meio da creche. Dali de cima dava pra ver as outras crianças, com uma certa supremacia, do auto do banco ainda que de castigo. Outras vezes me colocavam de costas para uma parede branca e diziam que era pra eu cheirar a parede como punição por alguma atrapalhada ação de minha infância. O problema para os adultos, era que eu acabava descobrindo um certo prazer em "cheirar" à parede. A gente se acostuma a tudo, certamente.

Ficava observando o ir e vir da formigas que, em meio ao trabalho, fofocavam sobre coisas de formigas. O que tanto elas diziam umas às outras? Nunca descobri e ainda me sobra curiosidade. Depois tinha os caminhos prateados que a lesma deixava, denunciando sua passagem por ali. Tudo era tão incrível e feiticeiro, que ao escutar o meu opressor dizendo: "terminou o seu castigo, menina, já pode sair!" Quem disse que eu queria deixar de ficar ali, agora que outro mundo se abria novamente sobre meus olhos deslumbrados? Adulto gosta do cortar o barato da gente...

Tenho muito e até demais da criança que fui. Talvez ela seja o melhor que ainda há aqui. Por isso me recusei em valorizar a propaganda do primeiro sutiã. Me lembro até hoje do nome dele: Valisere. Tive agonia de virar moça, nem achava graça em ver no corpo crescendo: pelos, seios e apelos. Creio que já pressentia o quão sério seria, quando tudo isso estivesse desenvolvido em mim. Ser mulher-adulta só tinha encanto sendo criança.

Hoje, olhando essas crianças de uma nova geração, quem sabe bem mais à frente de seu próprio tempo, penso na rapidez com que essa fase da vida passa, como a gente fica bobo quando cresce, como emburrecemos no processo de amadurecimento, e como isso apodrece a existência, como um fruto estragado que logo despenca da árvore para se esborrachar no chão sólido das existências pálidas.


elizpessoa

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei o texto, Cabelo!
Adorei!!!
:)