sábado, 2 de agosto de 2008

L-a-c-u-na


foto: Bruno Abreu

É noite, e todos os gatos são pardos.
Eu me empalideço, depois amoleço com a tarde que caiu logo há pouco, sobre a linha tênue entre o horizonte e meus olhos. Não há poesia, sentimento vasto, nem imensidão sobre o céu da cidade. Assim como as nuvens rosadas, não resgatam outras memórias, nem refúgio tardio na gente.

A hora é de lacuna, deserto, livros sem palavras, papel sem rabisco, cartas não escritas.
A hora é aqui e corre nas veias da gente, respira exalada aos poros quatro desejos indecentes.

Mas hoje, não cabem desejos, nem línguas, nem nada.
Talvez mais tarde eu me recorde outra distância e esmoreça da mesma verdade.
E assim, quando tudo isso se fizer inteiro, outro dia nascera dentro e fora daqui.

Eu não me esqueci do último presente, eu não me esqueci de nada.
Embora pareça, eu não sou tão amuada, nem me esquivo fácil, nem deito tanto, nem me presto em meio a caminhos que não me pertencem.

Eu nem mesmo me lembro da última sinfonia naquela sala, porque desaprendi um texto novo, desarticulei o pensamento e desatei a lidar com a indiferença. Porque eu nunca fui indiferente a nada, nem as pessoas vendendo balas nos semáforos coloridos pelo sol, queimando testa de gente cansada, nem dos índices de miséria crescentes no mundo, nem a tudo, nem a nada.

Não aprendi um canto novo com a dor, nem me resgatei em meio a ela, nem mesmo me arrependi dos caminhos vividos. Eu não sou de ferro, nem ninguém.

Eu não ando atenta a coisas que não me interessam, nem ninguém.
Eu não tremo mais quando ar me falta, mas ainda sou tão inteira, tão vasta que não caibo só aqui... dentro da casa.

Ainda assim, eu me vingo da minha ingênua idade, e o tempo dilacera o coração, rasgando a emoção do poeta. E eu que pensava que ele tinha morrido, sufocado pela pressa do vento adentrando aos pulmões.

Eu, que tanto acreditei na inspiração da palavra para dizer a coisa certa, como se a coisa certa houvesse um dia de fato existido na vida de tanta gente.

Eu, eu, eu... A verdade é que não há mais verdades a serem ditas, muito menos proferidas em aglomerados nos centros de grandes cidades.

Não há espaço raso entre a gente... senão eu grito, ou me calo.

eliz pessoa

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