quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Botecos

foto: Avelino Oliveiro

Bem a frente, ele toma a sua cerva molhada no bigode já denunciando os excessos da idade. Óculos escorregando pelo nariz e algumas folhas de jornal dedilhadas para matar o tempo.
Sobre a mesa um vidro de molho inglês, além da amarela cerveja.

Ela chega, guarda-chuva sobre as mãos, cabelo curto lambido, agasalho sobre os ombros já fadados pelas leis da gravidade e um certo ar de desânimo pairando junto.

Ele se alegra quando a vê. Ela se mostra indiferente, mesmo que ainda se movimente ao encontro dele. Quando o sujeito a abraça, ela continua “imparcial” – dura na queda.
Sentados frente a frente eles silenciam.

Do outro lado do espaço um outro sujeito degusta bebida barata, arrisca outro folheto e se esconde num som de MP3, assistindo o movimento do mundo por outras ondas.

A frente, uns rapazes insinuam gestos femininos e por alguns segundos tenho a impressão de estar no bar do outro lado da rua...

Ao lado um casal. Ele como quem vem do funcinalismo público – pura distorção de conceitos – ela, como quem sai da ginástica. Se encontram em contextos diferenciados do ares daqui. Ambiente popularizado.
Enquanto ela saboreia, ele imagina, dando asas aos filtros de “imagina ação.”

No meio de todos, duas alianças – três casamentos.
Dois casais. O da frente, saturado, enquanto os de lado, sincronizam.
Em meio a tudo, um solitário se acompanha, muito bem resolvido - diga-se de passagem - de um outro gole de cerveja, casadíssimo com a boemia.

Atrás, duas solteiras soltas na lida. “Bem dita és a fruta entre os homens, e todos se divertem...

Quando o dedo se levanta no apelo de mais uma garrafa de “breja”, um olhar apreensivo se desliza sobre a mesa, enquanto fumaças de cigarros passeiam pelos ares da granita no caminho.

Depois, um brinde a Sampa e os cacarecos de Santa Efigênia vem ao meu encontro.

É noite de sexta-feira, janeiro de 2008.


eliz pessoa

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008


Há tanta coisa na gente, na vida, na lida.
Há tantos amores a serem sentidos,
Tanta poesia de tantos poetas desconhecidos...

Há um Drummond sentado a calçada,
Tantos pés descalços,
Tanta harmonia,
Tanto querer dentro e fora da gente.

Há tanto haver em tudo isso,
Tanta simpatia bocejando lá fora
E muitas alegrias estampadas no abismo...

Há tudo isso e às vezes não há nada,
Só o nada faz sentido.

Mas há tanto o que fazer,
Tanto que haver e tanta vontade desposada nas ruas,
Nas nuas, nas tantas coisas que ainda há de haver dentro e fora da gente.

E talvez por isso, há tudo isso enquanto passo num piscar de segundo haver.

eliz pessoa

sábado, 12 de janeiro de 2008

Mãos


Foto: Ana Franco


E as palavras rasgam sobre o tecido pálido, prontas a serem tingidas por mãos prendadas de mães solteiras, que de tão cuidadosas deslizam em superfícies mornas, nas cores que o verão desenhou. Estas mesmas que afagam cabelos, percorrendo esquinas escondidos no outro, enfeitiçando sentidos.

Mãos que alimentam almas, mergulhadas em águas de sonhos, tantos... E são Rios de engenho, transparências e uma infinidade de canções que dançam em cordas vocais - risco do absurdo no surdo ouvido.

E ainda quando a tarde se abre sobre todos desnudando céus de uma cidade intensa, depois de silenciosas tardes de domingo, no vazio de quadras, o brinde – barulhos de bares dão tons aos semitons da língua afoito do outro, sobre notícias vasculhadas na pressa do naufrágio da última s e m a n a.

Mas se um dia voltar para a casa, pergunte por mim, que tanto o procurei quando estavas tão dentro daqui. Depois de tantos foras de tudo, em tempo de poesia que desaprendi, pensando, rascunhando, derretendo-as em outras orações desmesuradas. Enquanto laços alargam, estreitam-se no exercício dos dias, tantos...

E embora o mar esteja tão longe, como se realmente estivéssemos isolados por terra de tanto mundo, ainda assim, os ventos resgatam sensações tantas. Outro Belo Horizonte, como se o cheiro das águas sobre os pés das montanhas, aqui estivessem. Bastando fechar os olhos, depois de escurecidos, a mente se expande como se tudo estivesse ao alcance de pálpebras adormecidas num segundo.

O tempo presente redigido em outros tecidos, como mãos afoitas de moças costurando detalhes.

Valei-me!


eliz pessoa

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Cinco pra meia noite

Foto: José Reis (Sopro de Vida)



Pela janela, a fresta da noite carrega o cheiro do mato na mata de traz da quadra e os cachorros viram-se em latas na esquina da casa abandonada, depois saem a procurar cadelas-namoradas, e ganham quadras escuras da noite desta cidade.

Por aqui uma certa sensação de culpa assola as idéias, porque um felino fora solto, por mãos de escritor, depois de castrado sua sobrevivência - o que de mais precioso um ser vivo guarda em si. Talvez seja o peso da consciência mais atenta ao que circunda ao redor... Talvez.

Mas não há voltas quando cicatriza o rasgo.

E os raios ao longe trazem consigo a vontade de ver chuva caindo na janela do lado de fora e algumas intemperânças desmontam o ânimo do trabalho varando noites.

Algo se assemelha com as contradições do clima... É a chuva que se insinua e não desaba, ou o sol que raxa cuca de homem vazio.
Tudo por aqui ecoa trovões sobre nuvens rosadas da noite.

Em meio a algumas sensações cotidianas, como as costas reclamonas diante do micro, os olhos já pesados de tanto ver àquela vontade traiçoeira de acolher o livro e ler, deixando pra depois o que seria pra ser feito hoje, ou outras imprudências de quem ainda se perde ouvindo qualquer coisa que se sinta, em meio a tantos sentimentos acústicos.

No estúdio, as unhas de tinta vermelha, dão cores aos dedos, e a pressa desavisada das retinas, rendidas recolhem outra memória. E esse papo baixo de companhia de letras, não me deixa esquecer que eu estou aqui de passagem, pairando sobre um precipício infinito onde flutuam pensamentos inflamados.
À noite assim que é bom...

É tarde, tenho que dormir.


eliz pessoa

Goiás


Foto: David Sousa

Mas eu nasci dentro do quadrado grudado na terra avermelhada, entre Cerrados e serras que escondem alguns horizontes vastos, no plano de um Planalto Central.
Qualquer outro sonho por aqui se perde tamanha a imensidão do nosso céu, da nossa cidade.

Mas eu nego a parte Goiás que me cabe tão bem, insistindo no erro, na prosa que emperra o caminho e sigo em frente como seu de fato não fosse parte desse estado que me engole e cerca.

De Cora Coralina desfragmento idéias simplificadas de lirismo.
E tão cheio de vida ficaram meus olhos de flores e troncos de um Cerrado, serrado em nós.

Eu sou brasiliense, pra alguns: “Goiano elevado ao quadrado.”
Será que e também carrego mais que um Goiás de amor aqui dentro?
Será que todos por aqui o carregam?

Será tão verdade tudo isso?

eliz pessoa

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Domingo


foto: Felipe Silva

Enquanto dormiam, os pássaros lá fora amanhecem num som festeiro.
Bem-te-vis, Quero-queros despertam o áudio de uma, até então, silenciosa manhã de domingo dentro dos apartamentos.

Ela descansa o ouvido sobre o peito dele, ritmada pelo bater das válvulas do coração.
E o pesar da respiração fazendo amor com o oxigênio, no entrar e sair do ar exercitado nos pulmões.

Ainda é cedo, quando as palavras despertam na cabeça de um corpo em transe, entre os mistérios do sono e o parto da manhã.

Como em letra de canção, “hoje o dia também pousou sobre a minha cabeça e clareou,” desobedecendo à indisciplina da palavra quando nasce adentrando a identidade do ser, encenando outro autor, desenhando outro texto estrábico num ir e vir de um malabarismo de idéias. Enquanto o carnaval fora de época dos passarinhos ainda lá fora e o amanhecer preguiçoso do dia anuncia o domingo, de novo.

E mais uma vez o corpo se ergue envolvidos em movimentos letárgicos e espanta-se com a festa dos passarinhos.

Ela também quer cantar pra acordar a vizinhança inteira, como se todo dia fosse dia de índio.


eliz pessoa

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Verão

Foto: Paulo Tavares


Claramente o verão se expande na ardência da pele, na aderência do suor, descamando o velho, descobrindo o novo, exibindo corpos nas praias de um Brasil tinhoso, derramado em curvas das morenas, nos pêlos colorindo a essência.

Mas enquanto as ondas arrebentam no litoral amortecendo na areia, aqui, nos grandes centros, o asfalto emana vapor do sol que morre abafado nas ruas das cidades. Enquanto nos escritórios, as nucas das moças travestidas de trabalho, até ousam um pensamento nas retas das tesouras destemidas de desejos. E as sombras, projetadas pelo reflexo lá fora, mergulham os olhos do homem, na proteção de tela, trazendo miragens dos arrecifes de corais, colorindo o fim do dia.

E um sertão à beira do caminho, encapuza a primeira página de um livro, ainda não desbravado pela imaginação afoita de alguém.

É Verão e muitas versões constroem versos novos, erotizados na malícia dos meninos.

E até as tais chuvas da época, tiraram feiras por aqui. Só o Sol – astro de todos eles - é quem reina soberanamente, e por enquanto, as peles já cansadas na claridade dos dias, referem-se às mudanças climatizadas pela mídia, experimentadas nos poros de cada um de nós.

Há tanta luz lá fora.


eliz pessoa

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Tudo novo de novo


Foto: Luiz Fernando Rodrigues Leite



Hoje é dia de semana, dia claro, caloroso e cheio de trabalho e a pressa das comerciais de uma Brasília ainda deserta pelos seus, como se de repente ninguém por aqui trabalhasse de fato, dão ares de quietude ao movimento.
Se fosse em “Sampa” o movimento já se manifestara há tempos.

Sinceramente, me assusta um tanto essa folga desmedida de tantos... Não menos à toa que outros muitos almejam uma poltrona para “mamar nas tetas” do funcionalismo público. Obviamente, e sem perder o rebolado, outros levam a fama, que nada faz jus ao trabalho continuado, mesmo após as festas de final de ano e ainda assim com a solidão da cidade aparentemente tranqüila.

Aqui, o ano inicia-se nas diretrizes dos novos orçamentos, nas possibilidades de novos impostos, a expectativa do que a por vir e certamente virá, cumprindo o caminho que se estende por inteiro quando nele calçamos os pés, calejados em sapatos de salto alto - elegância de calos duros.

Mas as vontades, que são muitas, de modificar os aspectos raros, continuam latejando por aqui. Só para testá-las as tentações se apresentam, então, a carne que não pretendo rasgar com os dentes, vira convite pra churrasco de domingo, o cuidado com os treinos na água ainda brigam com o corpo preguiçoso sobre a cama, assim como o transporte sobre duas rodas e a “magrela”, um tanto denotada se enquadram em todas as expectativas presente. E muitos outros propósitos acentuam embaraços fios no cabelo.

É não é fácil começar de novo, mas que bom podemos começar sempre que possível.

Tudo novo de novo...

eliz pessoa