terça-feira, 29 de maio de 2007
Um minuto da hora matinal prestigia sensações infindas, quando as cores do outono colorem um quadro da cidade.
Por um triz o asfalto sentencia momentos, de um passo a outro sobre as linhas brancas de uma faixa transitada de respeito, onde o tênis pede passagem e a cabeça de um ser pensante esvai-se de idéias, depois que os olhos contemplam o céu azul tão vasto desta cidade.
Maledicências não cabem nos ouvidos de uma esquina silenciosa, contra toda a malemolência dos dias.
Um atalho, outra busca meios e afins que não findam sentimentos, não calam versos e não amenizam imagens no escanteio das calçadas.
A rua se mostra inteira, revela-se na distância de olhares, na passagem de gente, na atmosfera dos ares, tão áridos que as narinas reclamam a invasão.
Ando reconstruindo-me, tecendo cores nos caminhos. Por um triz, um giz, parafusando paráfrases, catando palavras no dicionário, resplandecendo indecências.
Ando por aí difusa, mapeando sensações, fraseando fragmentos.
Mas eu não sou sozinha, pois só me construo do que se destrói em mim. Toda espécie de palavra, em toda desconstrução desgovernada por uma experiência praticada.
Sou, quando disso me esqueço, poesia retorcida, fragmento de tudo que passa.
Alegria miscigenada, depois da casa vazia, após a noite varada.
Todos os torpores e tropeços, incansáveis recomeços, todas as unhas pintadas.
Ah, mas os meninos e o futebol nas quadras...
eliz
sexta-feira, 25 de maio de 2007
Caetano venha ver àquele preto que você gosta. Assim, Dona Canô já chamava atenção de seu filho, para ver um preto talentosíssimo que aparecia tocando sanfona na tv baiana.
Gilberto Gil expressão máxima de um artista, cheio de ritmos, multifacetado, singular e plural, tudo ao mesmo tempo agora mesmo. Conectado ao universo, expandindo-se dentro dele.
Gil é único, “o itinerário da leveza pelo ar”, de “tantas saudades preservadas num velho baú de prata”, “o punk da periferia do O”, “dos barracos da cidade”, agora sem ilusão, de “gente estúpida e hipócrita”, de pensamentos – fundamento singular do ser humano, de José e João – olha a faca e o sangue na mão. “De mães zelosas e pais corujas, de águas que de repente ficam sujas”.
De mares que não podem morrer na praia. Tudo agora mesmo pode por um segundo.
“Tanto mais vivo de vida mais vivida, dividida pra lá e pra cá”.
Gil, vital, baiano, cidadão cosmopolita, de amores “Drãos” que precisam morrer pra germinar, de mundos tão desiguais. “De tempo rei”.
Gil é poesia que escorre, derrama, mela, lubrifica os sentidos, escalda, escarra nos cantos das cidades. Liberta as ondas sonoras de muitas vibrações, de rupturas e laços que alargam relações.
Se há de fato algo que me impressiona, é a capacidade do ser humano de ser muito nele mesmo. Ser em verdade.
Ser em ESSÊNCIA.
E Gil é:
quinta-feira, 17 de maio de 2007
A moça arrisca um passo novo em meio aos gestos corriqueiros dos dias, e dança sobre idéias maduras.
Alguns livros empoeirados na estante silenciam histórias quando um “espana-dor” desgovernado faz cócegas maliciosas nos títulos – temas de livros. Enfileirados eroticamente, todos ali a interessam, suportam-se, aguardando as mãos magras da moça confusa.
Cada um deles têm algo a contar, personalidade e estilos próprios. Alguns ensaiam cegueiras, depois buscam lucidez, quando não ousam novos evangelhos de um mesmo Jesus. Ainda há um vulcão Glauber, sempre em erupção, pronto para derramar suas larvas escaldantes sobre as curvas femininas, dirigindo vontades desgovernadas, arriscando crônicas, parindo idéias e ejaculando emoções.
Enquanto ela fita-os, sua razão denuncia vontades, muitas... Uma delas é ler, um pouquinho de cada vez, a todos eles. A fixa idéia de uma história, a estimula, como se o mundo girasse e ela estivesse presa a um único autor-pensamento. Mas de outra forma, ela não chegaria a outras conclusões.
Era preciso prender-se, enamorar-se por um único deles e desbravar todas as possibilidades de sedução do livro.
Sem Dostoievski, ela ainda engatinha em asfaltos. Sem russos, sem transições, aspirando por novas linguagens, onde as linhas conduzissem, igualmente a novas erupções, alavancando aragens.
Em terrenos férteis os textos trariam novos âmbitos e referências.
quarta-feira, 16 de maio de 2007
Era um tal de "ai", "ui", de respirações ofegantes, de um entra e saí que dava pra imaginar. Uma sonoridade toda seguida de batidas nas paredes, pausas sensuais e loucuras aceleradas de outros ritmos e sons.
Não teve jeito, levantei e resolvi colocar no papel a roubada que levou me sono embora.
É óbvio que esta mesma piedade padece até que as roupas caiam e os sinais endureçam diante do ser chamado mulher.
segunda-feira, 14 de maio de 2007
A roda de choro vem e invade meus poros, a malícia de meus tímpanos, a essência de minha alma.
Jacob do Bandolim em "Jamais" inspira-me gentilezas. "As pessoas não sabem o que tocam na gente".
Lembranças de seu Clésio, o pandeiro nas mãos de uma morena Marina, os senhores nostálgicos de minha noite boêmia, a caneta que desliza no papel quando um outro senhor, cheio de lembranças, enche os olhos de saudades e pedi pra tocarem: "naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim", trazendo de volta a idéia do filho que partiu há vinte anos. Depois de fazer cócegas em minha emoção, hoje tão delicada.
O chorinho sauviza todas as indiferenças do dia. E todos temos nossos motivos para tantos outros moinhos...
Agora só quero saudades de Drummond em "copa", da Marlegria, das prosas de amigos, das noites vividas e das vozes de todos que aqui cantam.
De todos que aqui estão e já são saudades em mim.
sexta-feira, 11 de maio de 2007
O Grande Circular
Grande Circular, até isso tá diferente nesta cidade. Me lembro bem quando estudava, uma das grandes marcas daquela época em Brasília, era a linha que vinha intitulada: Grande Circular. Hoje em dia, até o nome já não é mais o mesmo, agora é só Circular, ou Circular Plano Piloto.
Antigamente, pessoas andavam de um extremo à outro dessas duas asas na linha do circular.
Havia histórias de assaltos, ponto de encontro entre desconhecidos e conhecidos, meninas fazendo farra, adolescentes cheios de tipos: tipo assim, tipo assado. Diálogos interrompidos em meus pensamentos . . .
Deixando o egocentrismo de lado, muitos pensamentos, alguns perdidos, outros encontrados no percurso do ônibus.
Conheço gente que já passou reveillon (isso mesmo) reveillon, dentro do Grande. Comemorando o término e início de mais um ciclo, junto aos solitários motorista e cobrador.
Será que solitários mesmo? É certo que uma solidão bastante acompanhada. Eis a solidão de nosso tempo.
Também sei de pessoas que na falta do que fazer, andavam todo o trageto do Grande, só pra ver algo "novo".
No Grande devia-se desconfiar de tudo, do homem engravatada lá atrás, do menino sujo ao lado. Todos eram suspeitos na linha, inclusive eu.
Qualquer vacilo era um grande vacilo, qualquer distração poderia levar o salário do mês todinho para o bolso alheio, e quando isso acontecia com alguém, aí vinha o susto, juntamente com ele o "medo" de próximo se tornar eu, você, nós!
Mas o Grande também tinha espaço para a poesia, muita gente leu algumas dela por lá, nos vidros do ônibus.
Poesias engraçadas, sérias, profundas, que dependendo de como estivéssemos, influenciava diretamente o nosso modo de sentirmos o mundo.
Muitas amizades nascidas ali e muitas desavenças também.
Muitos e muitas todos os dias.
Mas o Grande tinha suas figuras carimbadas, como o rapaz da Arnica, àquele que, sem que ninguém esperasse, gritava acordando todo mundo das próprias idéias. Pior é que a tal da Arnica era milagreira, curava tudo e podia-se pagá-la com tudo. Também valia para obtê-la, dinheiro, ticket, vale transporte e etc... Na ausência destes, caberia os óculos na sua cabeça, o cordão ao pescoço, o tênis, a calcinha, o sutiã, qualquer acessório era objeto de troca pela "milagreira" Arnica.
Tinha também o deficiente mental conhecido por todos que ali transitavam. Alguns diziam: olha o "doidinho" do grande. Ele não cheirava bem, mas parecia uma criança. Além dos motorista rastafari e do cobrador sério e de tantas coisas que ficaram na memória de minha cidade.
Hoje quando passa já não mais o Grande, mas apenas mais um ônibus transitando em nossas ruas. Pra lá e pra cá. Como se as coisas continuassem as mesmas dentro de nós.
Novos Tempos . . . Só não sei o que isso quer dizer.
quinta-feira, 10 de maio de 2007
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos, intacta retina:
A cajuína cristalina em Teresina
cajuína
Eu me gastei e descamei como os troncos das árvores, em pleno outono.
Consumida, fiz-me forte, quando assim me descobri.
De bastas e supus dar conta dessa onipotência.
Cansei-me no caminho... No, mas e desmanchei-me supondo que podia.
Abusei das palavras, depois as esvaziei em mim.
Eu esqueci-me tentando um gesto novo.
E envelheci nos gestos velhos.
Reconstrui-me do nada, sem memória ou palavras.
E passei, como uma vontade que não cala.
quinta-feira, 3 de maio de 2007
As Barrigudas ejaculam flores nos galhos dos Ipês amarelos, rosas, dando graça e colorido na paisagem da cidade. E no céu, uma Lua amarelada enfeita o horizonte de uma Brasília sem fronteiras. Nos balões rodeados de carros, a vida parece um minuto, momentos de transição.
Uma, duas, três cervejas convidam-me para amigos. Convidada o coração alegra-se em meio aos ares rarefeitos da quadra. Manias de pensar demais, de falar demais.
D-e-m-a-i-s...
Locuções esportivas dão ritmo a minha emoção.
Barulho na quadra e harmonia quebrada por lapso de momento.
Na mesa do bar, trânsitos dos astros ditam novas regras, quando me derreto em meio ao caminho.
Cutículas ainda denunciam algumas displicências, assim como o volume dos fios de meus cabelos e a urgência das palavras sobre o poder de uma emoção à deriva.
Um novo ritual para uma nova tatuagem ardida sobre a pele - superfícies de sensações primitivas. Pés desnudos em unhas coloridas de vermelho, nova pintura para os mesmos olhos, de um mesmo sempre, que não acontece todos os dias.
Por noite, fico assim, rabiscada de palavras. Depois padeço num instante de silêncio.
No ouvido: Time do Pink Floyd.
eliz