sábado, 31 de março de 2007

Quando eu ainda era um projeto de gente, morava numa rua cheia de estereotipo. Entre eles, uma me chamava bastante atenção: a turma de punks que morava no final da rua.

Nem sei bem se eram punks ou anarquistas, pois naquela época usava calças desbotadas, rasgadas no joelho, camisa preta, cor que predominava no caráter “descategorizado”, daquela juventude. O famoso A, cortado ao meio dos anarquistas, estampados nas costas.
Naquele tempo eu não tinha muita noção das coisas.

O fato é que os meninos tocavam em alguma banda que se escondia no submundo dos bastidores do poder, de uma Brasília em transição, de um tempo em discussão. Logo ali no Conic, assim os via.

Nunca troquei uma palavra com àqueles meninos, ainda que morássemos na mesma rua.
Entre a plataforma inferior da rodoviária onde os encontrava quase todos os domingos, munidos de guitarra, coturno e cabelos desfigurados por algum “Eduard”, mãos de tesoura alguma.

No meu universo, os olhava com certa admiração. Minha cabeça sonhava um dia, ser daquele jeito.
Embora naquela idade, escutava muitas atrocidades a respeito dos tipos. Talvez por despeito daqueles e de outros estereotipo, como: “anarquista não toma banho, pois protestam contra o sistema”, ou, “punk só serve pra anarquizar as regras”. E ainda, “gótico é tudo doido”. Por aí vai.

Agora o que me impregnou a idéia, foi a possível falta de banho contra o sistema, do qual não tinha nem noção do que se tratava. Achava meio torto o manifesto, pois eu gostava daquilo tudo.

A possível falta de banho, só ofendia de fato, o corpo do indivíduo sujão. Tirando essas mazelas que impregnavam meu sistema mental, eu gostava dos punks, da tattoo, dos cabelos desgovernados, das pernas camufladas de um bom e velho jeans, das jaquetas cheia de símbolos, das guitarras que nunca, até então, havia ouvido, e das possíveis “pauleras” pauladas no ouvido acostumado com a porrada, no bom sentido, é claro.

Eram os primórdios dos ídolos que enfeitariam minha velha infância de cores, assim como os Jacksons, Raul e seu Pluft-Plaft Zummm que não ia a lugar algum, ou a tal “casa muito engraçada, que não tinha teto, nem tinha nada”. E toda a musicalidade que “enloucrecia” meu viver.

Depois eu fui crescendo e muitas imagens foram dissipadas no meio de um caminho escondido na memória. Fui me programando pra dar certo e errei muito nesse processo. Almejei outros estereotipo, outros cabelos, outras vestes que escondiam muito que eu era. Fui me camuflando pra um mundo igualmente camuflado.

E hoje descubro que um dos meus punks preferidos é um roadie.
Já o vi montando, organizando muitos palcos em shows realizados nesta Brasília de agora, já alterada pela disfunção do tempo. E por um dia, meu sonho é ser roadie.
Ficar de um lado a outro do palco, agachada, puxando fiação, ajustando o som, ignorante aos meus ouvidos, harmonizando e ambientalizando o palco pra outras pessoas brilharem. Ainda que por um dia, sem maestria alguma.

Texto em lembrança de uma criança adolescida e adulterada pelas várias páginas de uma vida feliz. E pelos punks, roadies e artistas do cotidiano que me ensinaram a pintar uma vida melhor.

Ao Frango, punk do final da rua.

eliz pessoa

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