quinta-feira, 15 de março de 2018

Marielle Franco e tantos anônimos




Executaram a moça na Rua Joaquim Palhares, lá no Estácio, onde a vida parecia seguir em frente.

Mataram a moça depois de tantas batalhas, de tanta coragem para dizer o precisava ser dito.

Mataram a moça da Maré, da favela, a moça negra, de lindo sorriso largo e opinião corajosa.

Mataram a moça, de tantas lutas, de pulso firme e da voz imponente, de grandes olhos observadores da vida, onde as esquinas se encontram, onde as casas são pobres.

Mataram a mulher bem no seu mês de luta.
Calaram a sua voz, mas jamais a sua luta.
Mataram a moça jovem negra que movia estruturas, bem lá na rua dos inválidos.
Mataram a moça e mataram um pouco de cada um de nós, com o na garganta, com a dor no peito, com os olhares aterrorizados.

Mataram Marielle, da luta pelos direitos das mulheres, das minorias, pelo direito a voz daqueles que há perderam. Mataram, Marielle Franco, Vanessa dos Santos, Marinete Menezes, Wilson Melo, Osmar Pinheiro, Angel Gustavo da Silva, Bruno Alexandrino, Luiz dos Santos Silva, Davi Renan da Rocha, Wesley de Paula, Hosana Sarafim, Evangelista Cordeiro, Maria Eduarda Alves, Hermes Mathias, Marlene M. Conceição, Ana C. Conceição, Renault F. Feitosa, Guthemberg Pereira, Manuel Leisandro, João Paulo de Oliveira, Anísio Alves Neto, Sofia Clara Braga, Rebeca Amaral da Silva, Paulo Henrique, Felipe Faria Gomes, Benedito José, Lorraine Xavier, Carlos Henrique, Amarildo Dias de Souza, Maria Eduarda, Arthur, Emily, Anderson Pedro...


quarta-feira, 14 de março de 2018

Sobre a morte

Eu tenho medo da morte. Muito medo, e talvez por isso mesmo pense nela todo dia. Há um tempo nos livros de Carlos Castañeda, pela voz do personagem Don Juan Matos, li algo que nunca esqueci “Somente a idéia da morte dá ao homem o desapego suficiente para ser capaz de não render-se a nada. Um homem assim sabe que sua morte o está perseguindo e que não lhe dará tempo para agarrar-se a nada. Então ele experimenta, sem ânsias, tudo de tudo.” Bem, não que eu seja uma pessoa desapegada das coisas, nem que tenha a ousadia de experimentar tudo de tudo, ao contrário, tenho apego à vida sim! Mas diariamente penso na imortalidade de tudo: de objetos, pessoas, sentimentos e momentos. É como se a vida pudesse escapar das nossas mãos num instante fecundo, por exemplo. E sabemos que pode.

Ontem à noite, ela estava no ônibus na volta pra casa, quando sofreu um assalto. Dois bandidos entraram um com arma de fogo e o outro com um facão. Um na frente e o outro depois da catraca com uma sacola, ameaçando todos os passageiros e catando tudo quanto é celular e dinheiro, ação que parece ter virado rotina por aqui. Fizeram um arrastão e desceram com a sensação de que nada os acometeria. Ela chegou à casa apavorada... Adrenalina à mil. Fiquei pensando que ao menos não a fizeram mal e nem a ninguém. Mas o que é fazer o mal? Foi um mal, é uma agressão, uma invasão, a idéia da violência também se aproxima da morte. E de tão comum esse estado de violência no Brasil, os índices só avolumam as estatísticas brasileiras, acarretando a banalização da vida.

Chegando ao trabalho hoje cedo, a morte já havia acometido mais uma vida, quando levou a tia, já bastante debilitada pela doença, de uma companheira de trabalho, trazendo a dor da perda para os que ficaram e levando (talvez) um alívio imediato para quem já sofria com um CA. Depois, acessando as redes sociais, lá estava ela novamente, estampada na notícia da partida do físico e pesquisador Stephen Hawking – um gênio do nosso tempo – que, apesar de sofrer durante toda a vida de uma doença degenerativa, esclerose lateral amiotrófica, mostrou ao mundo que sua cabeça continuava intensa e cheia de idéias e possibilidade, viveu conversando com a morte constantemente, não como quem fala diretamente a alguém alguma coisa, mas como quem a experimenta na própria limitação a idéia do perecível, um dia de cada vez.
Ela também chega com o tempo, com o olhar do envelhecimento e do envelhecedor, daquele que lentamente vai definhando para encontrá-la no final da caminhada, e observar esse tempo é assisti-la em doses homeopáticas.

Tenho a clareza de que é necessário não dar tanta importância aos próprios medos, não deixá-los crescer além das criaturas que o são, mas observá-los com atenção, sem pirar diante dos fatos, ter o cuidado para não morrer no próprio medo, dar atenção a vida no ato do agora. Até o exercício de colocar no papel esses fantasmas que nos circundam diariamente é algo necessário, como se pudéssemos diminuir a sombra que nos acompanham. E olhar pra morte como uma parte importante da vida, como algo simples e natural, como algo que é parte do todo o mistério que nos envolvem, é algo que preciso VIVER.



elizpessoa





segunda-feira, 22 de maio de 2017

Conversas do transporte irregular

                                                              (Foto: Eliz Pessoa)

Acordei atrasada, peguei o micro-ônibus até a BR. De lá, como não costumo e não gosto de fazer, entrei em lotação clandestina num veículo qualquer. Então, Band News FM, fone no ouvido tentando prestar atenção ao noticiário a respeito dos últimos acontecimentos da política sórdida brasileira, quando o motorista, um senhor educado, começa a conversar com a carona da frente, dizendo:

- Lá via a rabecão! Com certeza já mataram outro em Sobradinho II esta noite. Tem defunto na área. Também é nisso que dá mexer com droga, andar com quem não presta. Mexeu, morreu. Andou, morreu. Mas também, os pais não conversam mais com os filhos hoje, não observam com quem  andam, ficam mais no celular, essas coisas todas.

A carona por sua vez, destila a sua opinião, enquanto nós três mulheres do banco de traz, observamos em silêncio. Aí a sujeita carona vira e diz:

- Pois é. O senhor chegou a ver a propaganda da Natura do dia dos namorados? Depois assista! Acredita que lá eles colocaram duas mulheres se beijando? Pode? Ok, ok, cada um faz o que quiser da própria vida, mas colocar na TV duas mulheres de beijando como se isso fosse algo normal, é demais! Imagina a explicação que a gente vai dá pros nossos filhos.

O senhorzinho vira e diz:
- Esse mundo está muito estranho mesmo... Porque não colocaram um casal “normal”? Outro dia mesmo eu fui numa festa que tinha homem beijando a boca de homem. Fiquei na minha, achei estranho, me catei e saí fora. Não tem nada haver comigo aquilo ali! Poxa, eu não tenho problemas com “essa gente”, acho que cada um faz o que quiser da própria vida, mas ficar beijando por aí na boca é demais.

E sujeita carona retruca.
- Também acho! Deixa pra fazer isso de beijar na boca, entre quatro paredes.
O motorista senhorzinho diz:

- Tenho uma amiga que é “sapata”, mas ela mesmo já, que não gosta de ficar beijando nas ruas. Ela está certa neste ponto.


Observo que ele parece querer a opinião de nós três mulheres sentadas no banco de trás. Mas não deixamos escapar nenhum um tipo de comentário, embora, pelo o menos a minha cabeça estivesse doida pra dizer que o penso sobre o assunto, retrucando palavra por palavra, mas a preguiça em expor para aquele tipo de mentalidade a minha opinião foi mais forte que o meu desejo de consciência. Pensei: mas gente, se o filho do cara perguntar o que são àquelas duas mulheres beijando na boca, é só responder que são duas mulheres beijando na boca. Simples, sem dar muitas voltas atrás do próprio rabo. Mas de fato, pra algumas pessoas, o mundo deveria ser assim, igualzinho a elas. 

elizpessoa

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Ressaca, 17 de abril de 2016

                                                        (Foto Fonte: Redes Sociais)


Amanheci de ressaca, com o coração apertado.
Eu votei nas últimas eleições, acreditando que o meu voto faria a diferença. Votei acreditando na legitimidade do voto. De lá pra cá o país dividiu-se ao meio, de um lado a direta do outro a esquerda. No meio do caminho, um golpe foi instalado em meio a nossa Democracia ainda jovial. E de repente, tentaram anular o meu voto, tentaram tirar de mim a minha escolha, de todos que a fizeram comigo. 

A corrupção é algo tão enraizado na nossa cultura, que modificá-la exige tempo, trabalho e coragem. Coragem pra enfrentar os ratos do poder, para puni-los com severidade, com justiça e imparcialidade. Mas o problema da corrupção é que ela atende a interesses de poderosos de vários setores, inclusive a senhora Justiça que também pode atender a tais interesses. O Moro jogou uma suposta bomba em meio ao Estado Democrático de Direito, falou em nome da lei, usou de métodos arbitrários, tentou agir como o Super Homem dos quadros modernos, agradou a muitos, dentre estes, pessoas que não suportaram o resultado da última eleição presidencial, pessoas que não suportam o acesso das periferias às faculdades através de bolsas sociais, que não suportam a idéia do Estado assistir aos menos favorecidos, das madames que não suportam as empregadas trabalhando com dignidade, com CTPS, com direito as férias, FGTS e rescisão pagas com dignidade. Que não suportam essas mesmas empregadas com acesso a graduação por meio das mesmas bolsas, que não aceitam a idéia de dividir o pão recolhido em impostos para o bem maior, a realização do sonho da casa própria para aqueles que jamais poderiam ter acesso a ela. Não suportam as cotas para os negros, não suporta ouvir a voz das favelas que sempre foram deixadas a marginalidade, que não aceitam as diferenças como parte da Democracia. 

Ontem, o que vimos foi um cenário de delírio. Homens engravatados falando em nome desse povo exposto acima, falando em nome de suas mulheres, mães, pais e filhas. Falando em nome de seu estado, em nome da moral e dos bons costumes, esses praticamente não praticados por eles. Falaram em nome do conchavo combinado em seus partidos, unidos agora em nome do impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Estes mesmos homens que nunca suportaram a ideia de uma mulher no maior cargo de poder de uma nação. Porque em suas cabeças o machismo é o imperialismo praticado diariamente contra todos nós, todos os dias. Este imperialismo que nem a Lei Maria da Penha encontrou forças pra enfrentar.

Não sou a favor da corrupção seja ela qual for, assim como não sou a favor do envolvimento do Partido dos Trabalhadores nos escândalos atuais. Mas também não sou hipócrita, nem cega para não enxergar o teatro realizado ontem em Brasília. Para não enxergar a banalidade com que cospem na nossa cara diariamente. Um exemplo o Sr. Eduardo Cunha, presidindo a cena de ontem e tantos outros políticos que tem seu nome envolvido em escândalos e processo de tudo quanto e tipo e criminalidade. 

Ontem foi o dia do SIM ao impeachment da Presidenta, ontem também foi o dia da alegria de alguns, mas não foi a batalha para um Brasil melhor, enquanto não nos enxergarmos como cidadãos de ações arbitrárias também. Enquanto ainda continuarmos agindo com espertezas diárias, enquanto continuarmos furando fila, passando a perna no outro, “se dando de bem” em cima de alguém. Enquanto não nos aprofundarmos em nossas ações cotidianas arbitrárias ao próximo, enquanto não entendermos que a corrupção não se faz somente no alto escalão do poder, mas nas ruas e vielas de muitas cidades daqui.

Brasil mostra a sua cara...

elizpessoa

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Proibido Jogar Entulho

                                                 (Grafite de Daniel Melim)


A rua, o abandono, o escuro, o excesso de luz, a miséria, o outro.
A rua, o cão, o homem, a pedra e as necessidades.
A rua, a arte, o silêncio, o berro.

A rua, tantas dignidades assoladas por ela.
A rua, a falta d’água, a ausência do teto, a pele e o edredom, a desesperança.
A rua, o medo, a cólera, a dúvida, a morte, a vida.
A rua, o álcool, as drogas, a dor e um corpo queimado – o mendigo, um índio e o negro.

A rua, as mulheres grávidas, a opressão, o presente tão futuro.
A rua, o sexo, a pele, o cheiro, os outros.
A rua, os pobres, o desemprego, o afeto.
A rua, a memória de um homem, uma mulher, um menino.
A rua, o passado tão presente.


A rua e uma felicidade esquisita...

elizpessoa

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

emoção substantivo feminino 1. ato de deslocar, movimentar. 2. agitação de sentimentos; abalo afetivo ou moral; turbação, comoção.

Sou um bicho emotivo por natureza, não só por sentir emoção, mas porque a sinto muito, sinto sempre. É fácil me sentir marejando os olhos, apertando o coração. Se brincar, grande parte dos dias experimento essas sensações, e pra falar a real não me agrado muito com esse jeito de perceber as coisas. Já fui pior é claro! Mas fui me melhorando com o tempo, para não derreter à toa. Todo santo dia ao ver um vira lata perto da minha casa, o qual tem certa amizade, fico com nó na garganta, nó de vê-lo passando sol e chuva debaixo do mesmo lugar. É claro que poderia assumi-lo! Mas como perdi há seis meses minha cachorrinha, resolvi racionalmente a não assumir outro enquanto não tiver condição de fazê-lo sem peso.

Falando de outro momento, me emocionei na festa surpresa de um amigo. É como seu eu pudesse sentir o carinho de todas aquelas pessoas por uma pessoa especial à todas. É foda! Sento por ver as pessoas indo embora, sinto por perceber os espaços que ficam, sinto por perceber aquelas que ainda não foram, mas estão perto de irem.

Outro dia, no ônibus, sentei-me ao lado de uma moça que sempre desce no mesmo local que eu, e como a gente conversa, não foi diferente naquele dia. Mas o fato é que a moça tinha acabado de receber a notícia de que perdera uma grande amiga há poucas horas dali. Fiquei sem saber o que dizer, ouvi mais que qualquer coisa, depois, vendo-a com os olhos marejados, emocionei-me ao ponto de quase não conseguir segurar a minha lágrima.

Por tudo isso, parei de ver notícias ruins, jornais e afins, para também parar de sentir tudo que vejo, porque neste caso, a emoção não vibra bem.  

Hoje, em especial, senti pela morte de David Bowie. Não que eu fosse a fã do cara, aquela que conhece a carreira do sujeito na íntegra, mas senti simplesmente por me lembrar da forte figura retratada nesse Camaleão do Rock, e ver que tudo é efêmero por aqui. E nos últimos tempos figuras importantes desencarnaram do nosso plano, cumpriram o tempo que lhes fora dado, figuras raras e repletas de brilho, deixaram esse esfera terrena mais vazia.

To tentando melhorar, me anestesiar um pouco, para ficar menos emocionada, menos coração mole demais para uma realidade dura demais para amolecer com tudo.

eliz pessoa