(Foto: Eliz Pessoa)
Acordei atrasada,
peguei o micro-ônibus até a BR. De lá, como não costumo e não gosto de fazer,
entrei em lotação clandestina num veículo qualquer. Então, Band News FM, fone no ouvido tentando prestar atenção ao noticiário
a respeito dos últimos acontecimentos da política sórdida brasileira, quando o
motorista, um senhor educado, começa a conversar com a carona da frente,
dizendo:
- Lá via a rabecão! Com
certeza já mataram outro em Sobradinho II esta noite. Tem defunto na área. Também
é nisso que dá mexer com droga, andar com quem não presta. Mexeu, morreu.
Andou, morreu. Mas também, os pais não conversam mais com os filhos hoje, não
observam com quem andam, ficam mais no
celular, essas coisas todas.
A carona por sua vez,
destila a sua opinião, enquanto nós três mulheres do banco de traz, observamos
em silêncio. Aí a sujeita carona vira e diz:
- Pois é. O senhor
chegou a ver a propaganda da Natura do dia dos namorados? Depois assista!
Acredita que lá eles colocaram duas mulheres se beijando? Pode? Ok, ok, cada um
faz o que quiser da própria vida, mas colocar na TV duas mulheres de beijando
como se isso fosse algo normal, é demais! Imagina a explicação que a gente vai
dá pros nossos filhos.
O senhorzinho vira e
diz:
- Esse mundo está muito
estranho mesmo... Porque não colocaram um casal “normal”? Outro dia mesmo eu
fui numa festa que tinha homem beijando a boca de homem. Fiquei na minha, achei
estranho, me catei e saí fora. Não tem nada haver comigo aquilo ali! Poxa, eu
não tenho problemas com “essa gente”, acho que cada um faz o que quiser da
própria vida, mas ficar beijando por aí na boca é demais.
E sujeita carona
retruca.
- Também acho! Deixa
pra fazer isso de beijar na boca, entre quatro paredes.
O motorista
senhorzinho diz:
- Tenho uma amiga que é
“sapata”, mas ela mesmo já, que não gosta de ficar beijando nas ruas. Ela está
certa neste ponto.
Observo que ele parece
querer a opinião de nós três mulheres sentadas no banco de trás. Mas não
deixamos escapar nenhum um tipo de comentário, embora, pelo o menos a minha
cabeça estivesse doida pra dizer que o penso sobre o assunto, retrucando
palavra por palavra, mas a preguiça em expor para aquele tipo de mentalidade a
minha opinião foi mais forte que o meu desejo de consciência. Pensei: mas gente,
se o filho do cara perguntar o que são àquelas duas mulheres beijando na boca,
é só responder que são duas mulheres beijando na boca. Simples, sem dar muitas
voltas atrás do próprio rabo. Mas de fato, pra algumas pessoas, o mundo deveria
ser assim, igualzinho a elas.
elizpessoa