quarta-feira, 14 de março de 2018

Sobre a morte

Eu tenho medo da morte. Muito medo, e talvez por isso mesmo pense nela todo dia. Há um tempo nos livros de Carlos Castañeda, pela voz do personagem Don Juan Matos, li algo que nunca esqueci “Somente a idéia da morte dá ao homem o desapego suficiente para ser capaz de não render-se a nada. Um homem assim sabe que sua morte o está perseguindo e que não lhe dará tempo para agarrar-se a nada. Então ele experimenta, sem ânsias, tudo de tudo.” Bem, não que eu seja uma pessoa desapegada das coisas, nem que tenha a ousadia de experimentar tudo de tudo, ao contrário, tenho apego à vida sim! Mas diariamente penso na imortalidade de tudo: de objetos, pessoas, sentimentos e momentos. É como se a vida pudesse escapar das nossas mãos num instante fecundo, por exemplo. E sabemos que pode.

Ontem à noite, ela estava no ônibus na volta pra casa, quando sofreu um assalto. Dois bandidos entraram um com arma de fogo e o outro com um facão. Um na frente e o outro depois da catraca com uma sacola, ameaçando todos os passageiros e catando tudo quanto é celular e dinheiro, ação que parece ter virado rotina por aqui. Fizeram um arrastão e desceram com a sensação de que nada os acometeria. Ela chegou à casa apavorada... Adrenalina à mil. Fiquei pensando que ao menos não a fizeram mal e nem a ninguém. Mas o que é fazer o mal? Foi um mal, é uma agressão, uma invasão, a idéia da violência também se aproxima da morte. E de tão comum esse estado de violência no Brasil, os índices só avolumam as estatísticas brasileiras, acarretando a banalização da vida.

Chegando ao trabalho hoje cedo, a morte já havia acometido mais uma vida, quando levou a tia, já bastante debilitada pela doença, de uma companheira de trabalho, trazendo a dor da perda para os que ficaram e levando (talvez) um alívio imediato para quem já sofria com um CA. Depois, acessando as redes sociais, lá estava ela novamente, estampada na notícia da partida do físico e pesquisador Stephen Hawking – um gênio do nosso tempo – que, apesar de sofrer durante toda a vida de uma doença degenerativa, esclerose lateral amiotrófica, mostrou ao mundo que sua cabeça continuava intensa e cheia de idéias e possibilidade, viveu conversando com a morte constantemente, não como quem fala diretamente a alguém alguma coisa, mas como quem a experimenta na própria limitação a idéia do perecível, um dia de cada vez.
Ela também chega com o tempo, com o olhar do envelhecimento e do envelhecedor, daquele que lentamente vai definhando para encontrá-la no final da caminhada, e observar esse tempo é assisti-la em doses homeopáticas.

Tenho a clareza de que é necessário não dar tanta importância aos próprios medos, não deixá-los crescer além das criaturas que o são, mas observá-los com atenção, sem pirar diante dos fatos, ter o cuidado para não morrer no próprio medo, dar atenção a vida no ato do agora. Até o exercício de colocar no papel esses fantasmas que nos circundam diariamente é algo necessário, como se pudéssemos diminuir a sombra que nos acompanham. E olhar pra morte como uma parte importante da vida, como algo simples e natural, como algo que é parte do todo o mistério que nos envolvem, é algo que preciso VIVER.



elizpessoa





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