foto: eliz pessoa
Ela só queria uma companhia a mais, pois uma espécie cotidiana de solidão a acompanhara, como um fantasma implícito no dia-a-dia. A receita de bolo para tentar resolver o problema foi a de muitos cidadãos corriqueiros, arrumar um animal para estimar.
Pensou num cachorro pelo excesso de alegria do bicho, pelo rabo balançando denunciando os fatos e pela real possibilidade de dividir os passeios fora de casa. Um amigo para todas as horas. Mas a geografia delimitava o caminho entre os quatro cantos da casa fazendo-a desistir.
Depois veio à cabeça a idéia de um furão, uma espécie de gambá importado dos States, com um chip embutido na pele. Um animal típico de tempos modernos e igualmente estranho. O furo do bicho veio no preço e na distância latente entre os dois. Abortou a opção de número dois.
Uma gata, um tanto desencantada, se insinuou aos olhos dela, fazendo charme, pedindo carinho, colo e atenção. Não poderia ser dispensada. Deixou-se envolver e quando não mais percebia, lá estava a felina, demarcando os roteiros da sala, quarto, cozinha e onde fosse possível. Lentamente seus pêlos e apelos já faziam parte da casa. Bendita era a irracionalidade da peluda gatinha.
Em meio ao decorrer dos dias, uma espécie de intimidade entre elas fora surgindo, dando forma ao sentimento de ambas, resgatando algumas lacunas quase esquecidas.
A “menina gata” de um instante para outro começou a perceber mudanças no comportamento de sua querida. A gata começara a agitar-se, esfregando-se no chão, tremendo o rabo, abaixando-o. Desprevenida, a menina-moça, que a acolhera com toda a solidão do momento, não entendia o que se passara com a felina. Tentou de tudo: termômetro debaixo do braço, bolsa d’água quente sobre os pêlos que encobriam a barriga da gata, reza, procurou por sangue e nada, nenhuma suspeita ou rastro de algum descuido com a criatura, nem melhora diante das ações.
Decidida, acordou cedo, pois precisava arrumar um médico veterinário para tentar compreender o que acontecia com a gata. Pegou-a nos braços e levou-a ao primeiro especialista de animais.
Pra lá de preocupada, contou ao veterinário todas as tentativas para melhorar o mal na gata malhada. Depois de narrar delicadamente cada ação realizada e com os olhos de quem clama por alguma justificativa plausível, silenciou.
Ele, terminado de ouvir o relato da gata-moça, não se conteve e começou uma gargalhada irresistível, depois respirou fundo e disse a ela que o “problema” da bichana era algo que também atormentava as mulheres, pelo menos uma vez ao mês. O nome daquilo era cio, sangria desatada, ciclos femininos e afins. Que ela não precisaria mais se preocupar com os sintomas, pois agora já conhecia seus sinônimos.
Aliviada, sorriu, um tanto sem graça diante de sua própria ignorância sobre a espécie que ela escolheu para criar. Comprou uma pílula contraceptiva para inibir tanta loucura num ser tão pequeno. E deu graças a Deus por não ser assim seus ciclos férteis. Pelo menos não era assim que ela os enxergava.
Passados dias, a menina resolveu suspender os métodos tratados com pílulas na felina e resolveu dar mais vida aos dias da gata. Conseguiu um casamento arranjado com um gato Persa, cinza, robusto e fino, para viver a loucuras hormonais com sua fêmea.
Foi um maior estardalhaço o encontro dos dois. Quebraram espelhos, estranharam-se, repeliram-se e se encaixaram. Ensandeceram como fazem dois animais em prol deles mesmos.
Mas depois que a felina voltou para casa, já não era mais a mesma, uma espécie de mudança em seus hábitos e principalmente em seu comportamento refletiam-se em seu olhar e pêlos.
Meses após, ela dará a luz a um macho peludo e absolutamente querido por todos da casa. Ele foi crescendo, ficando adolescente, dividindo o espaço e pedindo passagem e começou a flertar com a mãe. Quando não almejava o peito para mamar, desejava outros caminhos para brincar. E sem maiores confusões derradeiras, eles se multiplicaram e a casa tornara-se quintais de felinos, de nomes distintos, personalidade difusas, preferências, perfis, uma multiplicidade. E o que antes se chamava solidão, agora beirava o desespero.
No momento atual, tudo que ela desejava era um só minuto de vazio e silêncio nos cantos daquela casa.
eliz pessoa
Pensou num cachorro pelo excesso de alegria do bicho, pelo rabo balançando denunciando os fatos e pela real possibilidade de dividir os passeios fora de casa. Um amigo para todas as horas. Mas a geografia delimitava o caminho entre os quatro cantos da casa fazendo-a desistir.
Depois veio à cabeça a idéia de um furão, uma espécie de gambá importado dos States, com um chip embutido na pele. Um animal típico de tempos modernos e igualmente estranho. O furo do bicho veio no preço e na distância latente entre os dois. Abortou a opção de número dois.
Uma gata, um tanto desencantada, se insinuou aos olhos dela, fazendo charme, pedindo carinho, colo e atenção. Não poderia ser dispensada. Deixou-se envolver e quando não mais percebia, lá estava a felina, demarcando os roteiros da sala, quarto, cozinha e onde fosse possível. Lentamente seus pêlos e apelos já faziam parte da casa. Bendita era a irracionalidade da peluda gatinha.
Em meio ao decorrer dos dias, uma espécie de intimidade entre elas fora surgindo, dando forma ao sentimento de ambas, resgatando algumas lacunas quase esquecidas.
A “menina gata” de um instante para outro começou a perceber mudanças no comportamento de sua querida. A gata começara a agitar-se, esfregando-se no chão, tremendo o rabo, abaixando-o. Desprevenida, a menina-moça, que a acolhera com toda a solidão do momento, não entendia o que se passara com a felina. Tentou de tudo: termômetro debaixo do braço, bolsa d’água quente sobre os pêlos que encobriam a barriga da gata, reza, procurou por sangue e nada, nenhuma suspeita ou rastro de algum descuido com a criatura, nem melhora diante das ações.
Decidida, acordou cedo, pois precisava arrumar um médico veterinário para tentar compreender o que acontecia com a gata. Pegou-a nos braços e levou-a ao primeiro especialista de animais.
Pra lá de preocupada, contou ao veterinário todas as tentativas para melhorar o mal na gata malhada. Depois de narrar delicadamente cada ação realizada e com os olhos de quem clama por alguma justificativa plausível, silenciou.
Ele, terminado de ouvir o relato da gata-moça, não se conteve e começou uma gargalhada irresistível, depois respirou fundo e disse a ela que o “problema” da bichana era algo que também atormentava as mulheres, pelo menos uma vez ao mês. O nome daquilo era cio, sangria desatada, ciclos femininos e afins. Que ela não precisaria mais se preocupar com os sintomas, pois agora já conhecia seus sinônimos.
Aliviada, sorriu, um tanto sem graça diante de sua própria ignorância sobre a espécie que ela escolheu para criar. Comprou uma pílula contraceptiva para inibir tanta loucura num ser tão pequeno. E deu graças a Deus por não ser assim seus ciclos férteis. Pelo menos não era assim que ela os enxergava.
Passados dias, a menina resolveu suspender os métodos tratados com pílulas na felina e resolveu dar mais vida aos dias da gata. Conseguiu um casamento arranjado com um gato Persa, cinza, robusto e fino, para viver a loucuras hormonais com sua fêmea.
Foi um maior estardalhaço o encontro dos dois. Quebraram espelhos, estranharam-se, repeliram-se e se encaixaram. Ensandeceram como fazem dois animais em prol deles mesmos.
Mas depois que a felina voltou para casa, já não era mais a mesma, uma espécie de mudança em seus hábitos e principalmente em seu comportamento refletiam-se em seu olhar e pêlos.
Meses após, ela dará a luz a um macho peludo e absolutamente querido por todos da casa. Ele foi crescendo, ficando adolescente, dividindo o espaço e pedindo passagem e começou a flertar com a mãe. Quando não almejava o peito para mamar, desejava outros caminhos para brincar. E sem maiores confusões derradeiras, eles se multiplicaram e a casa tornara-se quintais de felinos, de nomes distintos, personalidade difusas, preferências, perfis, uma multiplicidade. E o que antes se chamava solidão, agora beirava o desespero.
No momento atual, tudo que ela desejava era um só minuto de vazio e silêncio nos cantos daquela casa.
eliz pessoa
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