quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Ela


foto: Rafael José Rorato


Ela vinha subindo a ladeira com sua sacola rasgada sobre as costas já fadada pelo tempo, anos de muitas velas apagadas. Coluna sobre o efeito árduo da gravidade que não poupa ninguém.
Torta, esquiva, quase beirando o rumo do asfalto.

Nas ladeiras de Ouro Preto, suas pernas arriscavam um ato falho, lento, maltratado pela vida. Procurava com seus olhos, que pareciam só avistar o chão, latas de cervejas jogadas ao Deus dará pelos jovens estudantes, vindos de todas as partes do Brasil, repartido de tanta melodia.
Sua sobrancelha não mais conseguia levantar as pálpebras com a força do músculo da testa, e como quem já aceita as regras ditadas pela empulheta do tempo.
Baixa, pequena, velha e cansada e acometida pela certeza de que ainda assim, sua missão erguia-se latente, não desistindo num corpo cansado, na certeza da vida que arde clamando pela sobrevivência. Ali, no turismo devastado de horizontes montanhosos, próximo a Praça Tiradentes, subindo a ladeira do invisível, onde os fantasmas inconfidentes conspiram outras rebeliões.

Eu, diante do fato ativo de um corpo passivo, parei fisgada pela imagem comum de todos os gêneros, afoita nos olhos que fotografam a vida como ela se pinta, curvando-se em vias de prosseguir. História repleta de caminhos de nossas vielas estreitas. Tão cheia de nós.

Ela agora é apenas um retrato curvado nos paralelepípedos da antiga Vila Rica, além de uma lembrança registrada pelo modernismo dos tempos fast-food.

: eliz :

domingo, 25 de novembro de 2007


foto: eliz pessoa


Escreva um verso novo e observa as nuvens que desbravam horizontes ligeiros escondendo o céu de noite clara. E nas ruas silenciosas das duas horas da madrugada, as luzes intermitentes dos semáforos, inauguram as cores da madugada.

Silencia o rádio, um texto declina a palavra, manobrando o rascunho de uma entidade esquecida.

Vai! Arrisca o risco na frase, na beira da língua e mingua outra corrente de um pensamento contínuo.

Depois pare e respira o silêncio de uma palavra escrita e "rediga", "rediga", "rediga..."

: eliz pessoa :

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Ouro Preto

foto: eliz pessoa



Ouro Preto, antiga Vila Rica dos, até então, anônimos da Inconfidência Mineira.
Cidade preservada no útero das montanhas, de horizontes que se escondem por traz delas, levando longe o pensamento de quem vive na gestação incubada no ventre de sua História. De casas de estilos Barroco e Colonial, em suas ruas de paralelepípedos massageando a sola dos pés que não são daqui, exercitando a firmeza das penas do alto de seus “pelourinhos” mineiros.

Ouro de “tolo”, doentes mentais que envelhecem em sua densa energia, frutos, muitas vezes, de casamentos consangüíneos, loucos de todos os gêneros transitando nas ruas apertadas da cidade. Por aqui os fantasmas passeiam assombrando o caminho, não só da História, mas acima de tudo, de muitas energias não digeridas pelo tempo.

Os índios foram os percussores, a base do lugar, os primeiros donos do território, mas deletados pelos brancos, no poder do domínio da coroa portuguesa. Depois a ordem da exploração do ouro da região, terra brilhante, cobiçada por mentes ambiciosas. E quando a notícia se espalhou, a cidade ficou pequeno pra tanto alarde. Exploradores e explorados, brancos e negros, nobres e pobres tratados como podres. Negros escravizados, torturados, mão-de-obra escrava, tratados como inferiores, maltratados por sua cor natural, encarcerados em senzalas localizadas debaixo das casas, como animais europeus. Tendo como diferença os fins.

Lá, na Europa, os animais ficavam debaixo das casas para garantir calor, aquecer os proprietários do clima europeu. Aqui, sobre as rédeas da linha do Equador, a finalidade era outra, oprimir, suprimir, sufocar, cagando em suas cabeças, como se fossem meros animais sem humanidade.

Fatos que a História não dissipou de nossas entranhas, nem o tempo arrancou de nós todas essas mazelas, em plena confusão das muitas raças que nos tornamos, nos muitos “brasis” que nos criamos, com véus de uma educação disseminada por textos mal contados nas escolas.

Por aqui, o passado ainda é presente, ainda grita de dor, conta histórias, dentro e fora de museus e igrejas, nas veias da arte do homem doente, compulsivo por seus detalhes trabalhados no Barroco, cheio de anjos, arcanjos, impregnado de um cristianismo católico exacerbado e soberano, como a verdade absoluta e muitas mentiras estagnadas.

Templos de hipocrisia e ostentação, onde somente os ricos “nobres” do alto clero eram enterrados nas igrejas, com direito a número e sepultura, onde o mais próximo do altar era também o mais rico, e assim sucessivamente. Até hoje preservados debaixo dos pés de turistas.

Nas igrejas onde os negros não pisavam por serem negros e escravos. Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, erguida por mãos escravas para dizima esse apartheid. Os estudantes dão graça e juventude às vielas da cidade, trazendo novo ritmo a vida por aqui, rebolando nos bares e nas ruas para descolarem o caminho.
Trazendo sons de novos carnavais e tentando amenizar o ritmo das lendas.
Museus, artistas sacros e cosmopolitas, hippies, riqueza de ouro e detalhes, frestas do Iluminismo, Joaquim, Aleijadinhos, Tomás-Antônio (s)-Gonzaga (s), Marília de Dirceu, mortos, vivos, forcas, pedaços esquartejados da História, Minas que geram montanhas, neblinas que geram imagens destorcidas, carros antigos, jeitinho mineiro, distâncias, atalhos, precipícios de esbarrões no agora, cheio de “causos” e contos murmurando segredos, conspirando fábulas, decretando sentenças, arriscando golpes, massageado dúvidas, assustando a coroa, dilacerando a palavra, construindo a História de contextos que se findam, ressecando o parágrafo. Aqui, a verdade não tem um nome, mas vários.
A Inconfidência Mineira condenou um para entrar para História, exílio os outros e sumiu com uma porção da leva conspiratória. Assim como ditaduras que militaram outros tempos.

Ouro Preto. Retratos de uma Vila Rica de História.
“Ouro de Tolo”, paisagem das Minas Gerais.


: : eliz : :

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Breve, breve Ouro Preto...

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Crepúsculo



foto: Luiz Caçador




Todo final de tarde (como ousaria alguns escritores), no crepúsculo, é quase sempre assim, ele começa a cantarolar seus semitons como se fosse um Luciano Pavarotti sobre o palco de uma cena da ópera mais “glamorosa” da Itália.

Ele é miúdo, tão pequeno que chega a caber na palma da mão, mas o esforço que faz para afinar as cordas vocais é tão sincero, que o peito, enfeitados de pena, estufa como se fossem estourar numa próxima nota desgarrada.

Definitivamente, ele faz à mesma coisa, quase todos os dias. Como se, os dias todos fossem iguais, com as mesmas questões infundadas.

Interessantemente, do outro lado da árvore, sentado à beira das entradas de supermercados, os cães também arriscam outras “sempre”, amarrados a coleiras enquanto seus donos assumem os seus papéis de consumidores nos finais de tardes. Quando a nossa economia agradece, amadurecendo o ato novo, quase tardio.

Aqui na margem esquerda do micro, o autor bem que desejou um escrito em folhas de papéis em branco, só pra ver as formas da caligrafia preenchendo o vazio de um A4 qualquer. Se bem que de qualquer ele não tinha quase nada, depois que o desejo do texto almejou os olhos nele.

São quase dez minutos para as dezoito horas de uma tarde de terça, e nem tem feira exposta nas ruas da cidade.

A falta de educação dos motoristas, e o excesso de poder subindo às cabeças dos habilitados dão formas às regras infringidas do texto. E uma raiva, camuflada de Pateta, num desejo das antigas de meu tempo, encarna no corpo de alguém, como se tudo fosse possível no momento de raiva derramada sobre a fúria do volante. Velozmente o parágrafo prossegue, ainda que seja grave a greve dos roteiristas americanos. E o mundo divulga as imagens do outro lado da América.

Não me importo quase nada com tudo isso, e o quase, abrem espaço para um caixa de surpresa cheio de mistério. Quase presto atenção ao fato ocorrido.

Silenciosamente uma lista de Shindler aparece no MSN, e os animados bonecos coloridos adormecem enquanto o mundo gira.

Já é tarde, e esse dia nunca mais voltará as nossas existências, porque passará e deixará àquela íntima sensação de que nunca existiu de fato. Foi como um algo não vivido.

Porque, por aqui, o passado é apenas um sonho, que, às vezes, enche de saudades, noutras é menos singular que a única verdade, presente agora. Bem aqui, onde tudo acontece num piscar de olhos, no descuido do segundo perdido.


: : eliz : :

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

foto: (anônima)


Por enquanto as cordas vocais de nosso Cartola, tecem de carícias a melodia de um som vasto de sentimento, de imensidão, calando os delírios da noite, a atmosfera do pensamento, a raridade do momento, incío de tudo. O cheiro da última chuva, canta outras sensações, causando na gente, cheiro de mato.

Como nos sertões, nós também fazemos festas de boas vindas às águas que lavam a alma da cidade ressecada.

A inaguração de um novo bar, na Asa do norte, enchem de especativas os corações dos solteiros, como se, de uma hora pra outra, o encontro acontecesse em cada um de nós.

Mas ela desce a escada como se fosse gente, civilizadamente.
A pomba, toda feminina, assalta os olhos da primeira pessoa do singular, de ares igualmente femininos.

Um triz aproxima países latinos, e a Argentina exerce outro fascínio sobre os ouvidos, e uma ância de um vinho nas esquinas de Buenos Aires, depois a sensualidade de um Tango, arrepia resquícios de meus pensamentos.

A plenitude da mudança nos afasta da eternidade, o mundo gira quando alguém dança.

São tantos quereres amortecidos por aí, e tanto exercício na prática das coisas.

De repente, não se diz mais nada, porque a palavra tornou-se vazia, sem fundos de poço, sem restos de sabedoria, e a denúncia dos atos enfeitiçam cada minuto, sem que percamos tempo tocamos a vida, com a urgência de um tempo hábil.

Muitos parágrafos não sintonisam rádios de estações perdidas, e ainda assim, outros sonhos são replantados sobre os dias em negrito da cidade.

Ah, mas essa simplicidade, perturbada pela impaciência do corpo é que entorpesse o últimos minutos que camuflam o sono.

Por enquanto, tá tudo assim, meio dormente.

: : eliz : :