Morando alguns meses
longe das asas do Plano Piloto, e após ter sobrevivido tanto tempo preso dentro
delas, comecei e enxergar o cotidiano como se estivesse de óculos novos, depois
de anos acostumada a redondezas do antigo. A mudança não foi tão grande assim, tendo como
ponto de vista as questões geográficas, mas como nem só na geografia fixa-se o
olhar, o meu mudou, ou melhor, continua transformando-se lentamente na medida dos
dias. Se antes o caminho era
trilhado sobre duas rodas, agora cabem em quatro. Ônibus lotado, democracia
experimentada tardiamente, espaços que se delimitam no primeiro incômodo
aparente. O som alto do outro incomoda a vontade silenciada de alguém, as
mochilas pesadas abrindo caminho nos corredores, empurrando quem estiver pela
frente. A leitura de um homem atrapalhada pela conversa ao celular de alguém
que prefere se contar para a condução inteira, aqueles assuntos que seriam divididos
na intimidade. Coisas que põe e tira do sério qualquer gente anônima. De todas
essas questões, algumas lições são apreendidas e repensadas... é fácil se sentir mais um, como também fácil
não se sentir parte de tudo aquilo.
Outro dia alguém virou e disse que as pessoas da periferia se vestiam mal e eram feias. Fiquei pensando nisso e estranhei porque o comentário partiu de alguém que vive ali, que não tem muito dinheiro como as
pessoas que ali estão. O problema não é encontrar algum tipo de verdade nisso,
mas perde-la em meio a isso. O fato é que cada vez mais tem sido fácil me convencer
de que grande parte das pessoas está sobrevivendo, lutando, correndo atrás, e
que a vida tem sido dura no que se trata de trabalhar para garantir a
sobrevivência do dia seguinte, seja morando nas asas do plano piloto, ou longe
delas, para grande parte das pessoas. Ao final das contas, todos são privilegiados
por ainda estarmos lutando por dias melhores, e isso é uma gota para um mar de
agradecimentos.
elizpessoa