quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Além da Geografia

Morando alguns meses longe das asas do Plano Piloto, e após ter sobrevivido tanto tempo preso dentro delas, comecei e enxergar o cotidiano como se estivesse de óculos novos, depois de anos acostumada a redondezas do antigo. A mudança não foi tão grande assim, tendo como ponto de vista as questões geográficas, mas como nem só na geografia fixa-se o olhar, o meu mudou, ou melhor, continua transformando-se lentamente na medida dos dias. Se antes o caminho era trilhado sobre duas rodas, agora cabem em quatro. Ônibus lotado, democracia experimentada tardiamente, espaços que se delimitam no primeiro incômodo aparente. O som alto do outro incomoda a vontade silenciada de alguém, as mochilas pesadas abrindo caminho nos corredores, empurrando quem estiver pela frente. A leitura de um homem atrapalhada pela conversa ao celular de alguém que prefere se contar para a condução inteira, aqueles assuntos que seriam divididos na intimidade. Coisas que põe e tira do sério qualquer gente anônima. De todas essas questões, algumas lições são apreendidas e repensadas...  é fácil se sentir mais um, como também fácil não se sentir parte de tudo aquilo.

Outro dia alguém virou e disse que as pessoas da periferia se vestiam mal e eram feias.  Fiquei pensando nisso e estranhei porque o comentário partiu de alguém que vive ali, que não tem muito dinheiro como as pessoas que ali estão. O problema não é encontrar algum tipo de verdade nisso, mas perde-la em meio a isso. O fato é que cada vez mais tem sido fácil me convencer de que grande parte das pessoas está sobrevivendo, lutando, correndo atrás, e que a vida tem sido dura no que se trata de trabalhar para garantir a sobrevivência do dia seguinte, seja morando nas asas do plano piloto, ou longe delas, para grande parte das pessoas. Ao final das contas, todos são privilegiados por ainda estarmos lutando por dias melhores, e isso é uma gota para um mar de agradecimentos.



elizpessoa