segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Leão do Norte


Chegando aqui, a primeira impressão latente, foi de um mar vasto e uma praia imensa. Até Copacabana ficou miúda diante de sua Boa Viagem. Mas isso pode ser só uma impressão.

80 quilômetros de extensão de praia. Depois, certo silêncio nas ruas, o que até me lembrou Brasília em seus finais de semana entre quadras. Mas eu estava em terras nordestinas, mar aberto, arrecifes, tubarões famintos atraídos pela construção de um cais que virou ponto de matadouro de animais, onde seus dejetos eram lançados ao mar. Atração fatal, sangue e fome.
Recife das águas e ilhas que entrecortam a cidade por suas pontes que ligam o Recife Antigo a todo restante da cidade. Mar quente-verde, mangues quase extintos cercando o centro da cidade. Povo de sotaque arrastado e forte. Pouco percebi da musicalidade que busquei: Nação Zumbi, Chico Science, o que se ouvia era o forró malvado, maldito para quem não gosta.

Disseram-me que em Olinda encontraria mais afinidades, tanto na área musical, quando no artesanato e na arquitetura banhada a História. Lá, meu contato foi com a amanhecer, onde o sol se exibe às 5h00 da matina, e o alvorecer inicia-se às 4h00. Provocada por dois olindenses, um bêbado disposto a ganhar mais um trocado com informações sobre o local, o outro, guia turístico faminto e falido nas ladeiras daquela cidade.

O primeiro me abordou e me intimidou um pouco. Inerte diante do desconhecido, o sujeito vira e diz: “Como você vem ao Olinda e não quer ouvir um nativo falar de sua terra?”. De fato o sujeito tinha toda a boa razão argumentada diante de minha turística curiosidade. Contava-me histórias do “santo do pau-oco” e suas muitas riquezas levadas à Holanda, depois do Português embasbacado, exclamando: “Ô q’linda!”, daí o nome de Olinda.

Até a idéia do Chico morto no poste de sua cidade, intrigava meus olhos, além dos tantos fantasmas do carnaval alastrados pelas ladeiras de paralelepípedos, dos mosteiros infestados de ouro maciço, da Igreja da Sé no alto da serra, do silêncio das manhãs quebrados por barulhos dos sinos das igrejas esquecidas e suas freiras abrindo as janelas para os primeiros raios da claridade do dia.

Pra mim essa cidade tem sons de Lenine, Maracatus, Frevos, Mestre Ambrósio, Alceus e tudo que inspira um pouco de efervescência. Como numa fórmula entre o que experimentamos e o que somos de fato – um signo cravado na crença. Sem esquecer da comida, no sabor que ela nos traz, no apetite devastador na saliva, na vontade que dá.

Recife das águas vindas de todos os lados, do cheiro fedido de suas entranhas, da violência apurada em suas esquinas, em sua gente, dos mangues e o que restou das casas erguidas sobre o caos. Dos poetas representados em todos os cantos da cidade cortada pelos Rios Capibaribe e Beberibe, no Marco Zero, nas estátuas e pontos de poesias, coisa de grandes cidades, que não param de crescer, do mercado imobiliários em expansão na orla da praia, das linhas do bondinho que um dia ali transitou, do tráfego insistente de suas avenidas abarrotadas de multidões, do maior bloco de carnaval do mundo – Galo da Madrugada, e toda sua festividade, de todo o resto que não pude conhecer.

A maior impressão que ficou do Recife, foi sua gente, comunicativa, “avexada”, a nossa Veneza brasileira banhada de águas, sua intimidade com o mar, que avança sempre em direção a terra, sua bandeira exibida com orgulho por todo o Estado e fora dele. Fascina-me ainda mais, o que é o Recife e o que ainda pode nos causar em curtas distâncias.

Por enquanto, “o inferno nem é tão longe, nem depois de onde nada se esconde. Mas perto do que distante, não demora muito ele chega pra qualquer um”. Mas o paraíso convive lado-a-lado com esse carnaval de alegorias vastas, banhando os olhos de quem passa.
Recife, cabe muito mais de sua loucura em cada um de nós.

eliz pessoa